Saint-Clair Stockler fala de Dias estranhos.

Conheço-o desde 2007. Desde então sei de Dias estranhos, o livro que escreveu e que ansiava publicar um dia, se tivesse sorte. Bem, ela chegou. Mas a sorte não faria nada sozinha se não tivesse em mãos uma antologia fantástica de indiscutível qualidade e um autor consciente disso.

Dias estranhos recebeu uma ótima resenha do jornal O Globo, caderno Prosa & Verso, no dia 15 de setembro de 2007. Isso não é para qualquer um. Será publicado esse ano pela Editora Draco. Clique na imagem para ler.

Saint-Clair:

“Dias estranhos é um livro de contos escritos num período de 13 anos. É isso mesmo: levei quase uma década e meia pra formar o livro. Sou devagar, porque não escrevo todos os dias. Escrevo apenas quando sinto vontade, quando acho que tenho uma boa idéia, nem que seja apenas uma imagem (que depois terá de ser trabalhada até surgir uma história). No entanto, agora com o livro “fechado”, olho e me surpreendo que apesar das várias técnicas que empreguei na feitura dos contos (e foram muitas), o livro tenha unidade, seja coeso e não um amontoado de coisas soltas sem equilíbrio, juntadas às pressas só pra fazer volume.

Só escrevo quando sinto uma força que não pode ser contrariada me forçando a escrever. Eu sou assim. Também fico “polindo” muito: troco palavras de lugar, reconstruo frases, corto ou acrescento adjetivos, advérbios, verbos. Gosto de pensar em mim como um artesão da palavra. Cada vez que releio um texto meu descubro coisas a mudar, a cortar, a acrescentar. É uma luta incessante, é como ser Sísifo. Escrevo porque gosto, porque a literatura representou pra mim uma via de escape de uma infância terrível; lendo, esquecia da minha realidade mas acabava – sem saber – aprendendo cada vez mais sobre mim e sobre tudo que me cercava. Um paradoxo, eu sei: fugindo, me encontrava. Mas a literatura é assim. Escrevo também porque produzir uma obra de arte é uma tentativa de parar o tempo, ou de tentar amenizar a sua força terrível. A gente morre, a obra – se dermos sorte – fica. É a única forma de imortalidade em que acredito.

A maior parte dos contos pertence ao gênero fantástico porque isso reflete a minha visão do mundo. Pra mim o mundo é cheio de coisas estranhas, de pessoas estranhas, de acontecimentos estranhos. Refuto com veemência a corrente “realista” da literatura brasileira. Mesmo quando algum conto meu não tem nada de exatamente fantástico, o fantástico está presente no viés com que o narrador mostra eventos e pessoas. Nesse sentido, sinto-me mais próximo dos homens e mulheres da Idade Média do que dos meus contemporâneos. Naquele período as pessoas viviam imersas na dimensão maravilhosa das coisas. O mundo era um mistério (reforçado, entre outros, por instrumentos como a Igreja), e podia ser belo embora frequentemente fosse terrível. Mas o mundo era, repito, um mistério a ser gozado e não uma equação a ser resolvida. Desde então o mundo se empobreceu muito. Acho que perdemos muito, nós sobreviventes dos séculos XX e XXI.

Sou essencialmente um contista, porque a forma curta me agrada demais. Posso, num livro, contar 20 histórias diferentes, ao passo que se fosse um romancista teria um livro de 300 páginas contando apenas uma única história. E mais: sou um contista barroco. O que quero dizer com isso? Só lendo um dos meus contos você entenderá. Nunca achei que a menor distância entre dois pontos fosse a linha reta. Mas sou, principalmente, um contista que acredita que um conto tem de ter uma história e não meramente ser um exercício de estilo. Perguntei a Elvira Vigna – que, além de ser minha amiga, é para mim um dos maiores escritores que o Brasil tem -, depois que ela leu os contos que formariam o Dias estranhos, se havia gostado. Elvira ficou um tempo calada e respondeu, naquele seu jeito direto, sem enfeites: “Gosto dos seus contos”. E depois acrescentou: “Você me lembra um buldogue. Você anda com o osso na boca pra cima e pra baixo, mas nunca o larga. Você nunca solta o osso”. O “osso” a que ela se referia era o enredo. Meus enredos nunca são lineares, mas também não há pontas soltas. No final tudo se encaixa.

Estou com 37 anos e esse é o meu primeiro livro. Tem gente que com 18 já publicou. Eu achava que não ia publicar nunca um livro só meu. Tem centenas de garotos e garotas com vários livros publicados e eu quase na meia-idade e nada. Mas não me incomodo. Me incomodaria mais se tivesse a certeza de que árvores estariam sendo abatidas para a publicação de um livro de merda. Não é o caso, apesar de ser suspeito em afirmá-lo. Não perderei noites de sono pensando nas pobres árvores que viraram Dias estranhos, porque tenho a certeza de que estou oferecendo um livro honesto e bem escrito aos leitores que vierem a se interessar por ele. Sou grato ao Espírito das árvores, e sei que ele não se sentirá ofendido comigo, mas tenho muita pena de gente como o José Sarney, a Zíbia Gasparetto ou a Fernanda Young.  É um livro belo, também. Erick Santos, o editor da Draco, me disse: “Seus contos são muito tristes”. Não sei bem se é tristeza, mas com certeza há um certo amargor, misturado com humor negro e com ironia. Eu olho o ser humano e não tenho ilusões quanto ao que nós somos. Nós somos muito ruins, não prestamos, somos mentirosos, mesquinhos, falsos, nos vendemos facilmente por 30 moedas – e mostro isso nos meus contos. Minha cunhada leu alguns deles e comentou chocada com o meu irmão: “Ele é um pervertido”. Não sei se há tristeza, mas sei que há certa beleza neles. Um dos segredos da vida é esse: há beleza em tudo o que existe, até mesmo nas coisas feias.

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24 Respostas to “Saint-Clair Stockler fala de Dias estranhos.”

  1. Emanoel Ferreira Says:

    Parabéns ao Saint-Clair, meu conterrâneo. Com certeza vou comprar seu livro, cidadão!

    Grande abraço. E reconhecimento pra você.

  2. uberVU - social comments Says:

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  3. jimanotsu Says:

    Parabéns ao Saint,
    conheço a pouco tempo mas já é uma das pessoas que eu mais admiro e que com certeza vai dar um roundhouse kick certeiro com esse livro. Espero que a minha cópia seja autografada. Até mais cara, tudo de bom mesmo…
    Paz, amor e empatia.

  4. Cirilo S. Lemos Says:

    Uau. Parabéns, Monsieur Stockler, parece mesmo bom.

  5. Ana Lúcia Merege Says:

    Nem preciso dizer, né? O Saint-Clair é um excelente escritor, além de um grande amigo, e merece todo o sucesso do mundo. Adorei saber da publicação e espero que seja a primeira de muitas!

  6. Antonio Luiz Says:

    Acho que um romance não é simplesmente um conto longo, mas de resto é um bom testemunho por parte de um bom contista.

    • Saint-Clair Stockler Says:

      Você tem razão, Antonio: um romance tem as suas especificidades. Saber escrever um conto não é garantia automática de se saber escrever um romance e vice-versa. Aliás, as 3 formas básicas (romance, novela, conto) são de fato muito diferentes entre si. Obrigado pelo “bom contista”. Vindo de você equivale a ser um dos finalistas do Jabuti! 😉

  7. Afonso Luiz Pereira Says:

    Que legal esta notícia! O Saint-Clair é um excelente contista e merece a oportunidade. Só espero que se o conto que ele me cedeu para publicar em CONTOS FANTÁSTICOS fizer parte da tal coletânea, o nobre escritor não me venha pedir para deletá-lo do acervo online. TRIÂNGULO EM TEMPO RUBATO E GOTA DE SANGUE é um dos contos que mais gosto dentro da seção INSÓLITOS do “site-blog”e sempre releio quando o tempo permite. É um conto todo “redondinho” e bem feito, decerto, fruto desta força que não pode ser contrariada que move o escritor.

    Ah, a propósito, quando o livro tiver o seu lançamento definido, gostaria de saber se eu poderia transcrever este belo texto-depoimento, juntamente com a capa da obra, no CF também. Pedindo assim de público, fica mais difícil do escritor negar, né? (rs, rs,rs )

    Parabéns Saint!

    • Saint-Clair Stockler Says:

      Afonso, obrigadíssimo pelos elogios! Fica tranquilo: o conto que lhe cedi pode ficar no seu site até pelo menos 2012 (e se o mundo não acabar em 2012, fica mais)! Quanto ao depoimento, façamos o seguinte: quando o livro for lançado, escrevo um exclusivamente para o Contos fantásticos, que tal? Você não vai precisar transcrever nada, não. Vai receber um texto exclusivo pra você e seus leitores. Só não se esqueça, por favor, de me cobrar, OK? Abraços!

      • Afonso Luiz Pereira Says:

        Opa, tá melhor pra lá de bão! Pode deixar que eu vou cobrar, meu bom. Você foi dez em colaborar com o CF e eu ficarei muito feliz em retribuir a gentileza na divulgação do teu livro.

        Grande abraço!

  8. James Grebmops Says:

    Essa é a novelização do roteiro do James Cameron?

    • Saint-Clair Stockler Says:

      Essa é a sua contribuição pretensamente inteligente/irônica ao tópico? Aproveitando, para o seu comentário não se perder: já resolveu os seus problemas familiares, James?

      Tenho uma tremenda curiosidade que gostaria muito de ver esclarecida (mas que não vai ser, infelizmente): você consegue se olhar em uma superfície que reflita seu rosto? Em caso positivo, gosta do que vê? Mas gosta mesmo, de verdade?

  9. Ana Lúcia Merege Says:

    Quantos cariocas!!! Então vamos fazer assim, cada um de nós vai ao lançamento dos livros dos outros… que tal? 😉

  10. Camila Fernandes Says:

    Saint,

    “Só escrevo quando sinto uma força que não pode ser contrariada me forçando a escrever.”

    That makes two of us, babe.

    Quando alguém me pede um conto de um tema ou gênero específico para site ou coletânea, eu me esforço para criar o melhor texto possível. Mas aquela coisa realmente boa, visceral, que tem o meu DNA, só sai quando a mente está tão prenhe que não aguenta mais não trazer à luz uma história.

    Me identifiquei demais com sua forma de ver a arte de escrever contos. Isso só me dá mais vontade de ler seu livro. Quero lançamento em Sampa, hein?

    Beijão…

  11. Camila Fernandes Says:

    A propósito: já tem capa? 😉

  12. Li e Comento: O Homúnculo (Conto) | .:: Escriba Encapuzado ::. Says:

    […] Sobre Dias Estranhos: no site de Tibor Moricz, um depoimento de Saint-Clair sobre o livro de contos que publicou e que, atualmente, é bem difícil de encontrar. […]

  13. Li e Comento: O Homúnculo (Conto) Says:

    […] Sobre Dias Estranhos: no site de Tibor Moricz, um depoimento de Saint-Clair sobre o livro de contos que publicou e que, atualmente, é bem difícil de encontrar. […]

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