Sorria quando chegou ao meio da escadaria. Ao fim dela estava o proprietário do Posto de Trocas. Finnegan era o seu nome. Nas mãos um rifle apontado para seu peito. Os outros homens continuavam diante dos copos, mas as armas estavam sacadas. Repousavam sobre o balcão. Os copos de bourbon estavam pela metade.
— Você não é o Harvey! – cuspiu Finnegan.
— Harvey? – perguntou sem esconder a curiosidade. Não sabia mesmo quem era o sujeito.
— O dono do cavalo lá fora.
Aí tudo começou a fazer sentido. O tal caçador de búfalos que matara era o tal Harvey. Devia ter calculado que o cavalo o levaria para um lugar conhecido. E para próximo de caras conhecidos do dito cujo.
— Era amigo, é? – perguntou, desfazendo o sorriso, antecipando problemas e se regozijando com isso.
— E dos bons – retrucou Finnegan.
— Ele está na correnteza.
— Ele está o quê? – Finnegan pareceu confuso – Você é uma espécie de maluco, é?
Não estava certo do que havia dito. Nem podia explicar o que a correnteza, qualquer uma, tinha a ver com mortes e mortos. Mas as palavras saíram-lhe da boca com naturalidade. A mesma naturalidade com que sacara e atirara em Harvey.
— Não quero confusão – disse, contradizendo sua vontade mais profunda. O olhar varreu o ambiente numa fração de segundos. Três homens armados com a atenção nele. Um deles pronto para puxar o gatilho. O que seria feito a qualquer instante.
— Só quero beber alguma coisa e ir embora – Intimamente imaginava que faria exatamente isso. Mas sem testemunhas para vê-lo partir.
Então sacou o Colt.
•
O rifle nas mãos de Finnegan nem chegou a disparar. O Colt foi derramando balas em sucessão espantosa. A mão apontava para todos os lados e o gatilho ia sendo puxado. A fumaça e o cheiro de pólvora encheram o Posto. Foram três balaços no Finnegan. Primeiro um, depois outro no segundo homem e outro no terceiro. Completou com mais dois quando reparou que ele não havia caído. Continuava de pé, embora meio fora de si, tremendo todo, ainda com o rifle nas mãos.
Das três balas, duas foram na cabeça. A segunda e a terceira. A primeira encheu-lhe o peito. Os homens no balcão ainda sorriam. Os olhos esgazeados. As cabeças furadas, ambas na mesma altura, entre os olhos, assim como com o tal Harvey. Derramaram-se no chão, desaparecendo atrás do balcão.
Finnegan zunia. Seus olhos reviravam. O rifle caíra. Ele cambaleava para um lado, depois para outro. Estranho e incompreensível. Apontou mais uma vez. Num dos olhos. Era para ser o derradeiro. O que põe fim à conversa. Mas foi interrompido antes do disparo. Maryanne apareceu de algum lugar e, num grito, se atirou sobre suas costas.
Foi como ser atingido por uma rocha. A mulher pesava bem mais do que fazia supor a bela figura. Desceu o que restava da escadaria, carregando-a sobre si, seus braços apertando-o num abraço sufocante. Chocaram-se contra Finnegan.
Caíram todos. Tentou se livrar, mas era como estar sendo esmagado pelo abraço de um urso. Nem titubeou. Apontou o Colt para trás, bem junto ao pescoço e disparou duas vezes. Ignorava que não deveria ter mais que uma bala disponível na câmara. Mas saíram duas. E ambas fizeram a cabeça chacoalhar o suficiente para livrá-lo do aperto. Rastejou para longe dela, se levantou e ficou observando Finnegan e a mulher soltando parafusos no chão. Era desconcertante.
Aproximou-se de ambos. O Colt bem apontado. Chutou Finnegan uma vez. Era pesadão. Cutucou a mulher. Ela idem. Não sabia o que eram os dois. Tinham fios soltos. Partes metálicas. Balbuciavam coisas sem sentido. Não sabia se coisas como essas podiam ser mortas. Não eram humanos. Não eram mesmo.
Voltou a atenção aos dois homens caídos. Eram aparentemente normais. Sangraram, deixando uma poça grande no chão. Os copos de bourbon sobre o balcão. Seus olhos lacrimejaram, mas bebeu o que havia neles e ainda o que sobrava numa das garrafas. Arrotou, enfiando o Colt no coldre, não sem antes abrir o tambor e verificar que estava carregado. Como se não tivesse disparado nenhuma bala.
Saiu do Posto e deu de cara com um garoto. Olhos esbugalhados. Olhando-o como se estivesse diante de uma aparição. Não sabia há quanto tempo estava lá, vendo tudo, assistindo a tudo. Ponderou se devia matá-lo também. Não fez isso.
— Que gente é aquela? – Perguntou indicando o Posto com o queixo.
O menino permaneceu mudo.
— Quem é você?
O menino piscou os olhos, rápido.
— Ajudante. Fico nas máquinas.
— Maquinas?
Parou de piscar e olhou para o Colt. Absorto pelo brilho do metal.
— Pra que lado encontro a cidade?
— Siga para Leste na direção das colinas. Downtown fica depois da Garganta do Enlouquecido.
Montou, esporeando o cavalo, que saltou para frente seguindo na direção das colinas que nem estavam tão longe. O bourbon ainda lhe queimava a garganta.
Tags: Literatura fantástica, O Peregrino, Steampunk, Weird West
18/04/2011 às 18:55 |
Quando vai ser o lançamento Tibor? Fiquei com agua na boca só faltou a trilha sonora rs
18/04/2011 às 21:02 |
Em maio, Cândido. Ainda faço fanfarra pra revelar o dia, prometo!!!
25/04/2011 às 13:13 |
A trilha sonora pode ser do Ennio Morricone.