Imagine um mundo controlado por governos totalitários. Difícil? Claro que não.
Distopias desse tipo abundam na literatura de ficção científica. Réquiem: sonhos proibidos, não foge ao tema. Petê Rissatti conta uma história onde nosso mundo, após uma chamada Guerra dos Anos Confusos, assiste a supremacia de um Governo Mundial que controla a tudo e a todos com a ajuda de um medicamento conhecido como Réquiem (Repressor Químico para Ecmnésia Mensurada).
Alega-se que a liberdade máxima do ser humano se encontra na experiência, no mundo dos sonhos. É nele que alcançamos total independência, sem controles externos. Livres para sermos e fazermos o que quisermos. O medicamento, então, reprime os sonhos fazendo-nos ter uma noite de sono totalmente negra, apagada. Uma quase morte.
Segundo a premissa, isso seria suficiente para nos tornar seres sem ambições, sem anseios; manipuláveis.
Os sonhos são importantíssimos à nossa saúde física e mental, são eles que estabelecem um ponto de equilíbrio na mente racional, provocam relaxamento, dirigem-nos ao simbólico, ao abstrato. Relaxam nossa capacidade cognitiva, preparam-nos para outro momento de vigília e concentração. Sem sonhar teríamos — segundo pesquisas — nossa capacidade intelectual comprometida, deixaríamos, paulatinamente, de ser a espécie dominante no planeta. Seríamos flagelados por surtos de amnésia, agressividade e ansiedade. O mundo seria imerso na esquizofrenia.
Uma sociedade inteira, milhões de pessoas, bilhões, sem sonhar. Esse cenário é terrífico e levaria toda nossa civilização à bancarrota.
Assim, considero, particularmente, a premissa do livro um equívoco.
O sonho que liberta, a meu ver, não é o onírico — esse, caótico, sem amarras com a realidade, anárquico — e sim, o sonho acordado. A ambição. O anseio. O anelo. O que nos passa pela cabeça, nossos desejos mais íntimos e imediatos, nossas insatisfações. Esses só se podem controlar contrariando a premissa da obra; forçando-nos a um sono coletivo e induzido.
A sociedade descrita por Petê Rissatti é ordeira e organizada. Indivíduos proficientes e felizes, satisfeitos com a vida do jeito que a tem. Mentes equilibradas, sensatas — embora apáticas —… bem diferente do cenário real que a ausência completa de sonhos provocaria.
A história em si, deixando de lado os aspectos oníricos, fala da luta de uma organização insurgente que se esforça em vencer o Governo Mundial, libertando as pessoas de seu jugo. Através de uma tecnologia difusa, detectam aqueles que têm uma noite de sonhos — ou por terem se esquecido de tomar o medicamento, ou por tê-lo deixado de tomar propositalmente — e vão a sua busca com o intuito de agregá-los à causa.
Tipo: “Ah, sonhou, então já é um revolucionário” (ingênuo, sim, concordo. Bastaria sequestrar felizes consumidores do Réquiem e deixá-los sem o remédio. Logo sonhariam e… novos insurgentes para as fileiras!).
O protagonista, Ivan, vê-se, em pouco mais de vinte páginas, transformado de passivo funcionário organizador de formulários, para um dos mais perigosos revolucionários, temido mundialmente (!!). Isso graças a uma noite de sonhos confusos e aos genes que, segundo teorias igualmente confusas, o marcariam para a luta.
Trata-se de uma história com uma infinidade de clichês e que precisaria de muito mais páginas para ser bem contada. Para construir personagens realmente críveis, para aprofundá-los e para explicar melhor a sociedade e as engrenagens que a movem.
Precisaria também de uma premissa razoável.
Há pouca verossimilhança. Os personagens são planos — apesar dos esforços do autor em compensar isso com reflexões existências superficiais demais, na maioria — e suas motivações são contraditórias.
A obra é, no geral, muito ingênua, inocente. Repleta de soluções simplistas. Chega até a ser bobinha.
Trata-se de leitura rápida e descompromissada que só recomendo se não houver alternativa.
Réquiem: sonhos proibidos
Editora: Terracota
Gênero: Romance de Ficção Científica
Formato: 14 cm x 21 cm
Páginas: 203
Tags: Distopia, Editora Terracota, ficção científica, Petê Rissatti, Réquiem: sonhos pribidos
19/10/2012 às 12:48 |
Eu não li o livro e não li outros artigos sobre ele ainda, mas pelas informações aqui postadas ele lembra muito o clássico 1984, mudando a alta vigilância individual pelo controle através de uma droga.
19/10/2012 às 13:22 |
[…] Imagine um mundo controlado por governos totalitários. Difícil? Claro que não. Distopias desse tipo abundam na literatura de ficção científica. Réquiem: sonhos proibidos, não foge ao tema. Petê Rissatti conta uma história onde nosso mundo, após uma chamada Guerra dos Anos Confusos, assiste a supremacia de um Governo Mundial que controla a tudo e a todos com a ajuda de um medicamento conhecido como Réquiem (Repressor Químico para Ecmnésia Mensurada). […]
23/10/2012 às 20:50 |
Quanto ao sistema anti-sonhos, concordo, é insuficiente e inverossímel. Evidente que muitos não tomariam o remédio por esquecimento, ou por uma infinidade de motivos, e sonhar tornar-se-ia banal. Teria que haver um mecanismo bloqueador permanente, como uma cirurgia executada na infância e cuja reversão os revolucionários soubessem fazer. Quanto ao argumento principal, discordo, não é pelo fato de ele ser cientificamente contestável que o torna desinteressante. Muitos temas da ficção científica são bastante improváveis, como o homem invisível. Ou as viagens ao passado, que gerariam um sem fim de paradoxos. A idéia de eliminar os sonhos para dominar os homens parece plenamente válida e mesmo interessante, ainda que não seja cientificamente viável. Se tivermos que chegar a esse ponto, não poderemos mais escrever sobre marcianos, moto-contínuo, anjos, deuses, vampiros ou teletransporte.
24/10/2012 às 16:01 |
Wilson,
Quando nos propomos a escrever ficção científica devemos, por obrigação, ser verossímeis. Embora o argumento de impedir o homem de sonhar seja cientificamente possível através de interação medicamentosa, as consequências disso tornam a premissa de dominação e controle de massas ineficaz e desastrosa.
O livro teria outra avaliação se essa premissa fosse secundária e o autor explorasse com ela as consequências sociais e psicológicas dos personagens dentro desse contexto. Mas ele foi hábil em deixar claro que a ausência de sonhos como ferramenta de pressão social era a proposição principal.
O que muda drasticamente quando escrevemos fantasia (e isso inclui anjos, deuses e vampiros), um gênero onde quase tudo é possível.
A ficção científica é chamada de especulativa porque oferece proposições muitas vezes inverossímeis ao nosso atual avanço tecnológico, o que não as inviabiliza. Assim, viagens acima de velocidade da luz, ou dobras espaciais, ou buracos de minhoca, são explorados à larga da Space Opera. Mas veja que esses elementos são sempre secundários na narrativa. São ferramentas que dão azo ao desenrolar da trama. Não são a premissa principal. Não é nelas que o autor apoia a ideia principal de sua obra (com exceção do impressionante Tau Zero de Poul Anderson).
Fazer FC sem plausibilidade científica é fazer fantasia. Numa obra séria, que se pretende razoavelmente profunda, não se perdoa a ausência das explicações científicas necessárias para justificar argumentos que nos parecem pouco verossímeis. O convencimento é obrigatório ao autor. Sem isso, ele derrapa no gênero e vai parar no acostamento.
25/10/2012 às 17:22 |
Acabei de ler o primeiro capítulo do livro, disponível no blog do autor. Pareceu-me que o estilo dele não é apropriado para um obra de ficção científica, que requer muita clareza, como o de Asimov. É um estilo meio literário, filosófico. Mas acho que trabalhado cientificamente, até os temas inverossímeis tornam-se aceitos. Por exemplo, você deve conhecer um conto do Asimov que se passa em um futuro distante, e os militares descobrem uma arma secreta: a ciência perdida de como fazer contas sem usar um computador, apenas com papel e lápis. Evidentemente que mesmo que se passem trilhões de anos ninguém nunca vai esquecer isso, como nunca esquecemos como contar nos dedos. Mas Asimov consegue fazer um conto interessante.
25/10/2012 às 21:28 |
E onde está a inverossimilhança de fazer contas com lápis e papel? 😉
29/10/2012 às 15:59 |
Bom, eu não expliquei direito. A inverossimilhança está no fato de algum dia isso se tornar uma ciência perdida ao ponto de ser redescoberta e tornar-se uma arma secreta. Primeiro porque, mesmo que paremos de fazer contas com lápis, sempre faremos algum tipo de cálculo, aindaque mais avançado, com lápis e papel. Nunca fazer as quatro operações com lápis e papel parecerá maravilhoso, como acontece no conto. Segundo porque é inverossímel, também, que isso pudesse servir como arma secreta. Terceiro, porque as calculadoras eletrônicas há muito tempo custam 1,99 mas nunca se parou de fazer contas, até na escola, com lápis e papel. O argumento do Asimov não tem cabimento nenhum. Contudo, o conto terminou ficando bem escrito.