Mercado editorial. Big Crunch previsível.

Quando publiquei meu primeiro livro (Síndrome de Cérbero) não havia, nos meus parcos conhecimentos da época, uma editora (fora a Devir) preocupada em lançamentos de autores brasileiros de gênero. Todas as outras publicavam o gênero esporadicamente, ou disfarçados para não parecerem FC ou de autores consagrados lá fora (ou ambas as coisas juntas).

Pouco a pouco foram surgindo pequenas editoras, provocando uma espécie de Big Bang editorial que vem se expandindo até agora. Acho muito curioso e significativo que surjam a cada dia novos selos, novos editores, novos organizadores. Sinal claro de que essa expansão continua a todo vapor.

Mas será que temos mercado para o boom de publicações que está se verificando?

Enquanto se amplia o mercado editorial, o de leitores continua estagnado. Ora, podemos argumentar que mesmo assim temos leitores suficientes para suprir a demanda e que há nichos suficientes para satisfazer as necessidades das editoras. Mas as editoras de ocasião (e organizadores oportunistas também) pululam, surgindo umas após as outras, num ritmo espantoso. É de se supor que viveremos uma saturação próxima.

Existem autores suficientes para suprir a necessidade de qualidade?

Sim, eles existem.

Por outro lado, é grande a quantidade de coletâneas que vão pipocando aqui e ali. A maioria delas sem uma atuação rigorosa dos seus organizadores, mais preocupados no cumprimento de prazos e na automassagem do ego do que em selecionar trabalhos de primeiro nível (alguns autores acabam se salvando nessas sopas ralas). As autopublicações também não ajudam nesse sentido, trazendo mais porcarias ao mercado que obras surpreendentes (não as condeno, porém. Para alguns não sobra alternativa). Salvam-se (quase sempre) as obras que passam obrigatoriamente pelas mãos de um editor, figura essencial nesse mercado. E é nas mãos de poucos editores competentes, dedicados e comprometidos que veremos o mercado sobreviver.

Acredito que esse Big Bang editorial acabará sofrendo uma estagnação súbita em algum momento de sua expansão e a contração que advirá será inevitável. Sobreviverão apenas as casas editoriais sérias, os organizadores empenhados com qualidade (e não com o oba-oba, próprio do meio) e os autores mais preparados tecnicamente. Os demais ficarão perdidos na areia do tempo, esquecidos.

De qualquer forma, agradeçamos. São os autores ruins que ajudam a destacar os bons. São as editoras de ocasião que ressaltam as sérias e são os organizadores oportunistas que engrandecem o trabalho dos sérios e compromissados.

Confirmando o ditado popular, nosso mercado editorial é uma balança onde pesos e medidas nem sempre estão de acordo. Mas não sei dizer até onde isso é ruim.

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21 Respostas to “Mercado editorial. Big Crunch previsível.”

  1. Paulo Fodra Says:

    Análise perfeita, Tibor! É o movimento de seleção natural que ocorre com qualquer modismo.

    E nem vai demorar muito para isso acontecer. Assim que essa ‘febre vampírica’ ceder um pouco, o mercado ficará bem mais inóspito. Quem não estiver preparado quebrará mesmo.

    Abraço,

  2. Mila Says:

    Curti, Tibor. Um assunto no qual todos no ramo devem pensar seriamente. Divulgando. 😉

  3. Parreira Says:

    É aquele velho clichê: “O que (quem) é bom, permanece.

  4. Alvaro Domingues Says:

    Todo Mundo e Ninguém!

    Todo Mundo quer escrever
    Ninguém quer ler
    Todo Mundo quer ser editor
    Ninguém quer vender livros
    Todo Mundo quer ser lido
    Ninguém quer ler os outros

  5. Ana Lúcia Merege Says:

    Sigamos a máxima de Henfil, Tibor. O que vale é a intenção da semente. 😉

  6. Alfer Medeiros Says:

    Tudo na vida é seleção natural, e todos têm o direito de ousar: tocar numa banda, escrever, atuar, pintar, jogar futebol, tentar levar a cheerleader ao baile da escola.

    Se uma das tantas editoras novatas permitir o reconhecimento de pelo menos um escritor de talento esquecido pelas grandes, então já valeu a pena!

    É que nem música underground: se o mercado ignora sua existência, crie seus próprios meios, do it yourself. O heavy metal e o punk rock não precisam da MTV e do Grammy para sobreviver.

    Que haja cada vez mais escritores dando a cara a tapa, e que o público saiba reconhecer quem merece.

  7. Simone Saueressig Says:

    Tibor, normalmente eu fecho contigo, mas desta vez vou ficar um pouco na reserva. Fiquei um pouco ressabiada com a leitura metafórica que você faz dos autores independentes. Te cito: “As autopublicações também não ajudam nesse sentido, trazendo mais porcarias ao mercado que obras surpreendentes (não as condeno, porém. Para alguns não sobra alternativa). Salvam-se (quase sempre) as obras que passam obrigatoriamente pelas mãos de um editor, figura essencial nesse mercado.” Se os editores fossem mais ágeis em dar uma resposta, talvez muitos autores não procurariam a edição independente. Posso falar por mim mesma. Tenho vários títulos em diferentes editoras desde 2009 ou, no máximo, começo de 2010 e o que é pior: não sei se serão aceitos ou recusados (uma recusa, pelo menos, te faz seguir adiante, ou partir para outro projeto). Meu título mais recente esteve 4 anos na editora até receber o sinal verde que, da mesma meneira, poderia ser uma recusa. Às vezes a paciência se esgota. Bom, pelo menos no meu caso.
    Um abraço,
    Simone

    • Tibor Moricz Says:

      Simone, concordo com você quando reclama da demora nas leituras e avaliações das editoras. Esperar por um sinal verde ou vermelho é irritante. Mas precisamos levar em consideração que as editoras recebem um número impressionante de originais para ler e rapidez e eficiência, nesse ritmo, é praticamente impossível. De qualquer forma, aguardar por esse sinal das editoras contatadas é ainda a maneira mais segura de saber que, se seu livro foi aprovado, ele é minimamente bom. Arriscar-se numa autopublicação pode ser uma atitude aceitável para autores novos, mas cujos trabalhos conhecemos e admiramos (como o seu). O que acontece, é que a grande maioria dos novos autores nem sequer tenta passar por esse processo seletivo. Se eles têm o dinheiro para publicar de forma autônoma, o fazem (esperar pra que, se tenho grana pra fazer por minha conta?). Assim, as porcarias abundam…

      • Tibor Moricz Says:

        (quero me redimir de uma bobagem homérica. Eu chamei a escritora Simone Saueressig de “autora nova”, quando, na verdade, ela é uma experiente autora que edita há 20 anos com editoras do centro do país (Scipione e Cortez), que tem acessos períodicos dos EUA e da Europa em seus e-books e blogues. Falha minha, corrigida. Só a vergonha é que vai ficar por um tempo)

    • Alvaro Domingues Says:

      Simone, concordo. O que escritor brasileiro tem que ter é paciência. O Kissy Yasitis disse certa vez que quando ganhou o premio encontrou-se com uma pessoa que fazia a seleção de material pra ser publicado. Esta pessoa perguntou-lhe:
      –Por que você nunca nos mandou um original.

      Ele respondeu:

      — Eu mandei, exatamente este.

      • Simone Saueressig Says:

        Mais uma para a série de anedotas referentes à Literatura Fantástica no Brasil. Olha, Tibor, isso dava uma série hilária! Fica a sugestão.
        E obrigada pelas suas palavras. É interessante notar que a maioria das mulheres prefere diminuir a idade e não faz o menor esforço assumir a que tem! (rsrsrs)
        Um abraço.

  8. Flávio Medeiros Says:

    Lembro-me que aconteceu algo semelhante na época do boom do videocassete. Havia uma locadora em cada esquina, inclusive um “Videoclube do Brasil” . Hoje restam pouquíssimas, movimento regulado pelo próprio mercado. E a regulagem se dá pela qualidade. Perfeita a análise.

    • Alvaro Domingues Says:

      Isso não é verdade justamente no caso do vídeo cassete! O mercado foi regulador sim, mas o sumiço das locadoras não tem nada ver com competência. Surgiram dois grandes “concorrentes”: a pirataria e DVD´s relativamente baratos, o que mudou o hábito do consumidor em relação à locação. Passou a comprar (pirata ou original), em vez de alugar.

      O que está em jogo é a ampliação do público leitor. Não basta ter mais editoras e lançamentos. Tem que ter público!

  9. Arthur Says:

    Espero que esse Big Crunch não acabe derrubando mais do que deveria. Vejo muitas editoras “pipocarem” nesses últimos tempos e realmente me pergunto se há um público pra isso tudo ou se está havendo segmentação dentro do próprio segmento [ou nicho].

    Mas enfim, que sobreviva o melhor. [Isso soa meio como a Cúpula do Trovão, hahaha].

  10. Mauro Says:

    Minha preocupação é que a quantidade de trabalho de baixa qualidade pode afastar de vez o leitor de literatura fantástica dos autores nacionais.
    Afinal, não tem como saber se determinado autor escreve algo bom ou algo ruim antes de ler a obra. A questão é que as vezes é melhor não arriscar e comprar o autor famoso de fora.

    • Tibor Moricz Says:

      Mauro, existem autores experientes e “tiro certo” no mercado, de quem você pode esperar bons livros. Existem outros autores, novos, publicados por editoras tradicionais em quem você pode fazer apostas com chances reduzidas de erro. E existe uma leva de autores publicados em editoras por demanda ou em coletâneas caça-níqueis onde a chance de acerto é pequena, mas ainda assim existe. Eu acredito que a baixa qualidade será a grande reguladora de mercado, afastando os autores ruins ou despreparados e fortalecendo o espaço dos demais. Será nesse Big-Crunch avizinhado que isso se definirá.
      Eu diria que temos autores aqui dentro que ombreiam autores de fora, sem acanhamentos.

      • Mauro Says:

        Concordo plenamente que existem autores aqui dentro que ombreiam autores de fora (Bráulio Tavares e Carlos Orsi são dois exemplos). Todo o trabalho em prol da literatura fantástica é bem vindo. O problema é que essa “enxurrada” de literatura fantástica é prejudicial porque dificulta o leitor de identificar o que pode ser salvo. Por outro lado, já li coletânea onde haviam mais de 30 contos e apenas um julguei ser bom a ponto de ficar em minha mente durante muito tempo (mas nunca vi comentarios sobre o conto ou sobre o autor). Isso nos leva para outra questão: alguns autores, apesar de ruins são amparados pelo “marketing amigo” deixando o leitor cada vez mais desconfiado e confuso (ainda que o livro sja publicado pelas chamadas editoras tradicionais). Daí a importância de um tipo de debate como esse.

    • Alvaro Domingues Says:

      Este é o argumento das grande editoras!

      Será que o livro é bom?

      Mas como sabê-lo se não lê-lo? Talvez confiando em algum crítico ou “leitor qualificado”, como Tibor ou eu e escolher pelos comentários.

      Como se escolhe um filme?

      Pelo trailler? Creio que uma boa parte vai por que alguém recomendou.

  11. Rogério Silvério de Farias Says:

    Olha, não deixas de ter alguma razão sim. Tocaste num ponto crucial. No entanto a coisa é muito mais complexa do que imagina-se. Primeiro porque não temos também é bons editores e outros profissionais que fazem o livro, porque o livro não é feito apenas pelo autor, mas também por um bom editor, um bom copidesque, um bom revisor, alguém que corrija certas imperfeições numa obra com algum potencial e que podem ser corrigidas, sem contar na distribuição do livro que é essencial. O que eu quero dizer com isso? Ora, até Sartre teve que ceder às dicas do editor e corrigir algumas imperfeições no seu “A Náusea”, cujo título seria “Melancolia”. Por exemplo, como é que uma editora que se preze não tem nem serviços de copidesque, revisão e leitura crítica de qualidade?…Sem esses profissionais, uma editora não vinga. Então além de bons escritores, faltam bons editores, bons copidesques, bons revisores, bom profissionais de leitura crítica, falta tudo ainda. Concordo contigo no que tange às antologias, salvo raras exceções tem muita gente ganhando muito dinheiro e publicando textos sem um pingo de revisão ou copidesque, e às vezes o autor tem que pagar para publicar um conto, e ainda – pasme- tem que assinar um contrato onde ele tem que vender uma x quantida de exemplares, sem ao menos ganhar um exemplar de cortesia (!). Isto é trabalho escravo puro ou não é? Mas não é problema só do Brasil essa de bons editores, vale lembrar que Melville, Conan Doyle, Kipling, H.G.Wells, Lawrence, Faulner, Márquez, Nabokov, todos foram recusados por editores. Veja o link e dê risadas, olha o quão “inteligentes” foram esses editores:

    http://sandra-becerril.blogspot.com/2007/01/frases-clebres-de-editores.html

  12. Eduardo Jauch Says:

    Muito interessante este texto.
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    Tempos atrás “tropecei” em uma “organizadora” que, afinal, não só não era “séria” como havia montado um esquema fraudulento bastante complexo, promovendo concursos para editoras que não existem e outros para editoras que existiam, mas que nada sabiam.
    Além, é claro, das “coletâneas” que prometiam mundos e fundos (inclusive usaram o nome da CBL sem conhecimento desta).
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    Não me parece que esse tipo de coisa “diminua” com o tempo, pelo contrário.
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    A quantidade cada vez maior de escritores que escrevem sem se preocupar sequer com a correção de seus textos (e com mais nada, diga-se), que jamais seriam aceitos para publicar, mesmo pelas editoras menos sérias, são um prato cheio para os “bandidos”.
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    E apesar de certa indignação, a verdade é que se um “autor” não é capaz de avaliar sua obra em termos de qualidade, tendo olhos apenas para o objetivo de “ser escritor” (= ser famoso, etc), a responsabilidade é deles próprios por se deixarem cair em ciladas.
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    Abraços!

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