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De como um desabafo se transformou num pródigo debate, OU como o fandom e o mercado ainda rendem animadas discussões.

03/05/2012

Aborrecido depois de um longo bate-papo com o Ivo Heinz no Facebook, fiz um desabafo a respeito do fandom. Minha opinião a respeito dessa entidade não é nova, mas não consigo me controlar e acabo externando minhas mais profundas emoções a esse respeito de tempos em tempos.

Gente, na boa. FC brasileira não é lida nem pelo fandom. O nicho, que deveria prestigiar a nossa FC, lê os estrangeiros mas não lê o que a gente faz aqui dentro. Esse nicho, esse fandom, é uma merda. Não presta pra porra nenhuma”.

Não pensei que essa reclamação mal educada pudesse resultar na troca de ideias que resultou. Sinal claro de que existe vida inteligente no fandom.

Posto isso aqui porque muita gente que conheço não tem página no Facebook ou frequenta aquele espaço muito raramente. Ah, e também porque o blog andava muito paradinho, o coitado.

Há salvação para a literatura de FC no Brasil?

***

Rauda Graco To ligado faz tempo!

Tibor Moricz Tem autor brasileiro competentíssimo contando nos dedos o número de autores que o leram (e não estou falando de mim, que também conto nos dedos esses leitores).

Rauda Graco Eu li seu livro e nem to a fim de entrar nesse fandom tão mal falado. Tento me manter longe. Quando der na ideia publicar os meus materiais também tentarei me descolar dessa amarra sinistra que é o tal gênero que acredito, mais fecha que abre caminho. sei lá, to bebendo uma, desconsidere as besteiras. Hehehhehe

Tibor Moricz Pô, preciso beber uma também… rs

Cirilo S. Lemos Por isso que essa coisa de fandom precisa ser superada.

Tibor Moricz Mas as editoras menores publicam especificamente para ele. Não têm alcance pra fugir do nicho. Aí a coisa fica difícil. Então você não é lido e ainda escuta que seu livro é ruim (porque não vende – essa é a lógica cruel de mercado).

Cirilo S. Lemos A luta é essa. Aumentar o alcance dos livros se enfiando em cada espaço que aparecer, por menor que seja. É difícil, eu sei. :/

Marcelo Jacinto Ribeiro Tibor, Tibor, porque tanto amargor em seu coração ?

Marcelo Jacinto Ribeiro mas que vc tá certo tá, sejamos claros e sinceros…

Tibor Moricz Tive um papo agorinha mesmo com o Ivo Heinz e esse papo me deixou puto.

Horacio Corral Depois de muito lutar fazendo eventos com a Opelf, tanto eu quanto a Janaina, percebemos, de maneira irrefutável, que o problema era a ausência de leitores. As primeiras perguntas da segunda mesa-redonda sobre FC na Livraria Cultura foram nesse sentido e o próprio Gerson Lodi-Ribeiro, concluiu, ao vivo e em cores (também tenho isso gravado em vídeo), que ele, e os outros escritores de FC, escreviam/produziam obras para si mesmo e que eles mesmos se liam, pois ninguém, efetivamente, lia suas obras. As ações da Opelf, prévias à sua extinção, foram focadas na formação de leitores, porque o resto, no geral, era mera vaidade e um brincadeira de alguns egos com o espelho e o que lá era refletido. O meu incluso. Uma vez que tomamos essa direção. A Opelf acabou. É curiosíssimo ver escritores que se autorrotulam de underground, alternativos e/ou independentes e se orgulham disso como se eles fizessem parte de alguma resistência contra um mainstream que sequer existe no Brasil. Não temos nenhum Asimov, nenhum Tolkien. Dito isso, essa atitude, significa na imensa maioria dos casos, que ninguém tem interesse suficiente em sua obra como para investir nela e não que você é bom mas não te reconhecem. Mas a atitude na muda e mina, e complica, ainda mais o trato com editores e editoras. Você tem alguma sugestão de remédio, terapia ou processo revolucionário para mudar isso, Tibor?

Eduardo Jauch Hum… Isso é preocupante… FC & Fantasia São meus gêneros preferidos e tenho trabalhado em um conjunto de histórias de FC ambientadas em um futuro não muito distante. Ou distante, sei lá. Mas então, quer dizer que eu tenho que escrever em Inglês se quiser ser lido??? O.o

Ademir Pascale Faço o possível para divulgar autores nacionais em minhas entrevistas que já somam duzentas (a entrevista de nº duzentos foi com Octavio Aragão http://www.cranik.com/entrevista200.html). Mas senti o mesmo que você está sentindo quando vi você entrevistando e divulgando o trabalho de muitos autores internacionais. É legal saber o que eles pensam, mas perco meu tempo com meus colegas brasileiros, pois estes sim precisam de espaço 😉 Minha estante está lotada de livros e hqs nacionais. Mas tem muitos autores que gostam de colecionar livros estrangeiros apenas para ter um nome diferente e bonito na estante. Não vejo diferença no trabalho do autores nacionais para os internacionais. Alguns são diferentes, como Edgar Allan Poe que não era apenas um escritor, mas sim um gênio. Este sim merece ser reverenciado. Mas tem muitos autores nacionais bons completamente esquecidos, como André Carneiro. Um autor que tem muito para ensinar. Mas se você perguntar para um destes novos leitores quem é André Carneiro, ninguém saberá.

Tibor Moricz Caraca, que preparação longa para esse pergunta, Horacio Corral… Isso é uma entrevista? Vou pensar na sua pergunta e a respondo oportunamente.

Horacio Corral Eu queria dar mais contexto ao que você falou. A pergunta é ‘quase’ retórica. Você sabe disso. Mas é tentando respondê-la que poderemos sair da situação atual para outra diferente, espero eu, melhor.

Ivo Heinz Pois é, num papo virtual hoje com o Tibor Moricz, descobri que estávamos com a mesma ideia (ruim), de que a FCB não está tendo o “sucesso” que alguns julgam ter.

Vamos lá:

1) EU li e comentei o “Guardiã da Memória”, do Gerson Lodi-Ribeiro, e já perguntei uma vez e não tive resposta, quem mais leu??? E não estou falando de um autor iniciante, não, mas de alguém com um nome respeitável na FCB.

2) Tô vendo um monte de coletâneas e mais coletâneas, tô lendo sobre um monte de gente (aqui no Facebook e no Orkut) dizer que está escrevendo e tals…. mas vejo poucos falando do que, necessariamente, estão lendo.

3) Quem é que leu e comentou obras estrangeiras, então??? Quem é que leu “Rei Rato” e “A Separação”?? Será que só eu ????? Porra gente, são APENAS autores como China Miéville e Jeff Vandermeer, precisa falar mais?????

3) Editoras são entes empresariais, digamos assim, precisam de dinheiro pra continuar vivendo, bem como seus editores, que tem suas contas pra pagar… livro que não vende é prejuízo e tempo desperdiçado.

Véi, na boa…. Tio Ivo já viu este filme antes com a Segunda Onda da FCB….. reconheço que vocês que chegaram agora tem (na MINHA opinião) um maior pique e mais talento em potencial, sem contar que são bem mais abertos e iconoclastas (tomem isso como um elogio).

Mas…….. não estou vendo isso se converter em suce$$o de nenhuma editora, saber que tem livro que foi publicado e vendeu menos de 50 exemplares é decepcionante, até edição “de autor” (as famosas encomendadas) chegam a fazer mais do que isso.

E, vou falar DE NOVO: os iPads xing-Ling estão chegando cada vez mais baratos, a pirataria vai cair matando, como já aconteceu com a música e os filmes, estou profissionalmente envolvido com EaD (ensino à distância) num grande grupo educacional, só a ponta do iceberg já é de meter medo…… a revolução será enorme.

Ou seja, em muito pouco tempo livros DE PAPEL serão um luxo para pouquíssimos, como o são os discos de vinil…. vai lá na Galeria do Rock ver quanto custa cada um e depois me diz quantos são vendidos, OK?????

E fico triste, pois queria estar errado, mas ler as opiniões do Tibor e do Horacio Corral me fazem ver que não podemos tapar o sol com a peneira.

O futuro é digital, como fazer o povo quebrar o paradigma existente hoje de que “tá na internet, é grátis” serão outros 500, mas quem conseguir vai ganhar dinheiro…. aos outros vai sobrar só o “escrever por hobby”.

Século XXI, tão belo, tão cheio de potencial, tão vigoroso…. e tão perigoso !!!!!

Gerson Lodi-Ribeiro Às vezes tenho a impressão de que ninguém mais tem tempo de ler, estão todos escrevendo… 🙂

Horacio Corral Eu concordo contigo, Ivo Heinz, embora não tenha tido a mesma sorte que você de presenciar e participar da segunda onda de autores de FC. Eu sinto, e a lógica também indica isso, que teremos um cisma, uma separação, muito em breve, entre as editoras e produtores de conteúdo que não abrem mão de travar os arquivos (vide DRM) e aqueles que vão trabalhar, e encarar, o mercado sem esse tipo de ferramenta. Ao longo prazo, todas as empresas precisam: oferecer melhores serviços, melhores preços e satisfazer seus clientes. Elas irão se adaptar, serão flexíveis, serão inteligentes, assertivas e colaborativas, ou irão morrer. Há imensos mausoléus e túmulos da indústria da música para provar, ou indicar ao menos, a natureza desta transição. Embora pareça algo um tanto alheio, eu vejo casos visíveis entre editoras que todos nos conhecemos.Editoras que não deram valor ao seu público e o encararam com profissionalismo, editoras que não se atualizaram e ainda relutam em fazê-lo. Não falarei daqueles que na minha percepção erram, eles sabem que erram, falarei de quem acerta e de quem lidera, ou tenta fazê-lo. Para mim, a Editora Draco ocupa esse espaço. Um exemplo contextualizado com a mensagem do Ivo é possível aqui. Atualmente atuo como Diretor de Merchandising no Submarino Digital Club, entre as tarefas que desempenho esta a de selecionar títulos para a livraria e outros destaques. A única editora que publica, com seriedade, autores nacionais que posso listar lá é a Draco. Observem que o processo de criar um e-book, não é complexo nem custoso, muito pelo contrário, é mais barato. Sua distribuição pode ser feita por terceiros. Ou seja, a editora ocupa-se com aquilo que efetivamente deveria se ocupar, o que concerne ao: editorial. Tem empresas, e editoras, que precisam mudar de atitude ou vão perder o trem, e lamentavelmente, não vai passar outro tão cedo. Deixo uma dica aos senhores, em setembro, chegam praticamente todas as grandes distribuidoras de e-books do mundo ao Brasil. O “inverno” vai chegar para quem não estiver preparado.

Gabriel Boz Esses comentários me causaram um flashback de 10 anos atrás, em trocas de email na lista do CLFC…era a mesma discussão e de lá pra cá nada mudou, nossa FC não é e dificilmente vai ser mainstream, muitos acham que nem deve ser, outros que deve ser mais brasileira para se aproximar dos leitores ( funcionou???) ou mais gringa, inspirada nos mestres ( aí somos macacos de imitação)…escrever é um ofício solitário, egoísta, mas o Fandom acha que somos todos parte da FCB, de alguma onda, de algum grupo, de algum gênero, e se criticam e se elogiam, e se armam em grupos, amizades e não saem do lugar. Todos os problemas se resolvem respondendo uma simples pergunta: você escreve porque? Eu já me respondi essa pergunta algumas vezes, mas até achar a resposta certa, tenho pensado muito e escrito pouco!

Pablo Grilo Estou mirando no mercado americano da Amazon. Almejo ser algo parecido com Amanda Hoking.

Tibor Moricz ‎Horacio Corral, é muito difícil tentar fazer prognósticos de como o mercado de leitores poderia ser expandindo para abrigar a ficção científica. Acredito que não temos história no gênero, não temos um background que nos ofereça alguma comodidade em explorá-lo com o mínimo de certeza de sucesso (mesmo que relativo).
Posso só palpitar, levantar a bola.

Acredito que para fazer a FC “despertar” aos poucos, ser aceita lentamente na rotina dos leitores menos afeitos a ela (muitos por pura ignorância), seria necessário um processo de gradativa inserção. Começar com obras de FC soft, humanista, com enredos delirantes, ritmos fortes, com suspense, aventura, ação… bastante entretenimento, sem grandes voos literários (querer fazer parte do mainstream é uma bobagem, mas não descarto o processo de aproximação, absorvendo por osmose muito do que a literatura realista tem de melhor).

Obras aparentemente despretensiosas tem o condão de capturar leitores. A descoberta do gênero vai acontecendo devagar; os leitores “se dando conta” de que aquilo que estão lendo é FC. É como acostumar os jovens com Harry Potter primeiro para depois lhes dar Mark Twain.

Também defendo a criação de capas que não escancarem o gênero de imediato, que não exibam foguetes, homenzinhos de marte, planetas, anãs brancas. Se eu defendo uma inserção lenta e gradual, estaria sendo contraditório se apoiasse as capas escandalosamente autoexplicativas.

Um mercado que torce o nariz para o gênero, sequer chegará a pegar nas mãos um livro de capa tão ostensiva.

Claro que é necessária divulgação na mídia, junto a formadores de opinião. Um trabalho lendo, gradual e cuidadoso. O mercado tem potencial para um Best Seller de FC, sem que o leitor desconfie que tem uma FC nas mãos. Tudo um conjunto de ações.

Não sei se eu disse alguma coisa a ver, ou não. Talvez tenha dito um monte de bobagens.

Horacio Corral Eu acho, sincera e honestamente, que você deu uma das melhores respostas sobre isso até o momento,Tibor Moricz. Tanto que vou ‘invocar’ o Roberto De Sousa Causo e pedir a opinião dele. Afinal, eu considero vocês dois grandes observadores, e contribuidores, do que acontece na literatura de gênero brasileira. Ao ler sua resposta, inevitavelmente, lembrei do filme Vanilla Sky, que não chegou aos cinemas com um rótulo de Ficção Científica. Sequer foi mencionado em muitas das resenhas e críticas das diversas mídias. Muita gente mesmo depois de ver o filme não o considerava FC, isso não impediu que eles adorassem o filme de paixão e comentassem com seus amigos e pedissem para eles também vê-lo.

Pablo Grilo Inception por exemplo é FC e ninguém se ligou nisso, pelo contrário, viu um bom filme com elementos de psicologia e outras coisas.

Miguel Ángel Fernández Delgado Hola, Tibor, si te sirve de consuelo, lo mismo sucede en todos los países latinoamericanos

Oscar Mendes Filho O que arrasta a LitFan para o limbo é a panelinha que fica lambendo um o rabo do outro, empurrando lixo para os leitores que, enganados, deixam de lado os autores nacionais diante do trauma que tiveram. Uma vez que perderam seu tempo lendo porcaria irão atrás de autores cuja mídia “endeusa” mais e deixam de lado os escritores nacionais, inclusive os que não fazem parte da panela, mas que são encaixotados dentro do mesmo pacote de porcaria.

Cirilo S. Lemos Também acho que não escancarar rótulos é uma boa.

Miguel Ángel Fernández Delgado Hay que mostrar más interés por nuestros autores, porque si no, vienen los investigadores extranjeros a decirle al mundo que nos descubrieron y, entonces sí, algunos investigadores y lectores nacionales comienzan a leernos. Creo que es un problema de marketing y malinchismo

Horacio Corral A literatura é o que ela é, há obras que não se encaixam nos tipos de narrativas que a academia criou. Vejam o exemplo de O Cheiro do Ralo – Lourenço Mutarelli, é uma obra ‘estranha’. Os rótulos servem ao propósito de catalogar e compreender as obras e, hoje em dia, principalmente, vendê-las. Tem sub-sub-gêneros que literariamente não fazem sentido mas comercialmente são ‘necessários’.

Hugo Vera Tendo em vista os interessantes comentários feitos acima queria muito saber também a opinião dos editores sobre isso… Afinal, talvez mais que os escritores, os editores são os caras mais interessados em ganhar dinheiro com isso. Afinal, se supostamente ninguém lê, eles estão publicando para quem? Quem está comprando os livros? Eles estão se sustentando (e lucrando) com as vendas a ponto de valer a pena continuar com a empreitada? Com a palavra, os editores…

Horacio Corral Por favor, cuentamos, Miguel. En Mexico, ustedes también tienen ese problema de que todos son escritores pero nadie es lector? Otra curiosidad mía es, como son las narrativas? Son más nacionales y regionales como un Selva Brasil de Roberto De Sousa Causo o son obras abiertamente inspiradas en los autores extranjeros como William Gibson y Isaac Asimov? En el Brasil, y por lo que sé, en Argentina también, el primer problema é gravísimo.

Roberto De Sousa Causo O fandom é uma instituição importante, mas a história sugere que no Brasil ele nunca funcionou como um mercado minimamente substancial para a FC nativa. Por ser inerentemente anárquico, tentativas de esterçá-lo na direção de um ou outro interesse especial redundam na formação de feudos que rapidamente degeneram em guerrilha fratricida. O papel do fandom não é esse, mas o de manter e difundir discussões especializadas e de fomentar instituições críticas, editoriais e de formação de autores que não estão disponíveis fora-fandom. A comunidade Ficção Científica no Orkut tem 6.700 membros inscritos — fãs ativos, já que se reuniram mesmo que virtualmente, para discutir o assunto. Se um terço deles comprasse dez livros novos de FC por ano (o que não é nada) não haveria editor da área em dificuldade. Claramente, há um funil aí, no qual a literatura é minoritária, e dentro dela, o autor brasileiro mais ainda.

Roberto De Sousa Causo Em 1940, Jerry K. Westerfield, então editor de “Amazing Stories”, escreveu que, “dos 500 mil leitores da ficção científica, apenas cerca de 5 mil deles são fãs. Mas esses 5 mil fazem todo o barulho e soltam todos os fogos de artifício”. Isso foi lá na era das revistas pulp, mas no Brasil de hoje é mais ou menos essa a equação, mas numa escala menor. Naquela época, esses 5 mil provavelmente compravam todas as revistas (livros de FC ainda eram raros) e todos os fanzines, mas mesmo assim as revistas de tiragem média de 150 mil exemplares só podiam contar com eles como multiplicadores de interesse, não como mercado principal. Mas eles não tinham que enfrentar a concorrência de uma FC mais sofisticada e de maiores credenciais, que é o que toda FC não-anglófona tem de encarar.

Roberto De Sousa Causo A ideia de conquistar um público não previamente interessado em FC é interessante como um princípio e como um conceito geral a que toda a literatura de gênero deveria almejar, sem o velho ranço de que, ao fazê-lo, deixaria de ser de gênero. Mas isso é muito difícil de visualizar — e de realizar — coletivamente. Assim como o velho argumento de que o que falta à FC brasileira é marketing, não mencionando que falta antes dinheiro para encomendar esse marketing. Por isso é bom sempre lembrar que, como na equação de Westerfield, entre o fã de FC e o leitor comum, há ainda o leitor de FC que não é um fã ativo. Se o fandom brasileiro são 500 fãs que fazem todo o barulho e soltam todos os fogos, talvez haja 5 mil ou 50 mil leitores potenciais já interessados no gênero. Eles certamente são mais fáceis de abordar. Mas, novamente, há aquela histórica desconfiança do público em geral quanto à capacidade do escritor brasileiro de escrever literatura de gênero — seja ela FC, fantasia ou ficção de detetive, ficção militar ou outra.

Roberto De Sousa Causo Enfim, a história da FC no Brasil também nos lembra que o gênero teve efervescência e mercado (embora nenhuma respeitabilidade critica) entre 1960 e meados de 1980 — e depois disso foi morto pelos diversos planos econômicos. De lá pra cá a cultura empresarial das editoras assumiu o bordão de que “ficção científica não vende”, ou passou a se focar em outros nichos — autoajuda, ficção urbana pós-modernista, divulgação histórica, e finalmente, a onda que todos surfam agora, a literatura jovem-adulta. Isso quer dizer que a FC como ramo editorial está renascendo hoje, num contexto em que a maioria dos leitores não teve acesso ao estado da arte, no exterior. Eles precisam ser reeducados nos caminhos que o gênero percorreu, e isso, novamente, demanda investimento, tempo e esforço. O fandom, até certo ponto, por promover aqui e ali conceitos como New Weird, New Space Opera, FC feminista, Queer e outros, dá pequenos passos nesse sentido, e muitas vezes indica direções às pequenas editoras associadas a ele. Então ele tem importância, mesmo que não possa garantir um mercado para os autores locais.

Roberto De Sousa Causo Fixar a FC como gênero viável aos autores brasileiros é o grande desafio de todas as gerações, de todas as ondas. Como fazer isso não cabe a nenhum de nós dizer — cada autor percorre o seu caminho. Eu apenas acho que só imitar o estado da arte da FC anglo-americana, sem igualá-lo e adaptá-lo, é insuficiente.

Estevan Lutz Tibor, concordo com sua última postagem. Tanto que foi isso que eu fiz questão de fazer em O Voo de Icarus. E estou atingido públicos que não são fãs de ficção científica e acabaram gostando muito do tema do livro.

Ivo Heinz Pois é, mas e autores como Eduardo Spohr e André Vianco?

Focando em seu público e trabalhando bastante, eles conseguiram visibilidade.
O que eu vejo neles é que estão à parte das picuinhas do fandom, não ficam debatendo os assuntos intermináveis como “Movimento Antropofágico” e foram à luta.

Outro divisor de águas pra mim foi a pesquisa do Nelson de Oliveira (aka Luiz Bras), isso mostrou que muita gente mais nova conhece o que já foi feito, haja visto a influência e votação que o Gerson Lodi-RibeiroOctavio Aragão e Fábio Fernandes tiveram, e foi uma votação “secreta”, a divulgação dos resultados deve ter pego muita gente desprevenida (só Tio Ivo acertou os 3 primeiros, hehehehehe).

Na boa, FC NÃO VENDE AQUI. Olhem os números e tirem as conclusões.
Falta investimento em marketing? muito provavelmente.
Falta maior aceitação pelo mercado? talvez
Falta maior inserção nos círculos acadêmicos? Bem, já tem Rodolfo Londero, A dri Amaral, Fábio Fernandes, Octavio Aragão, etc…. em Universidades de ponta e discutindo seriamente, então acho que esse front já está “em batalha”.

Ou, rememorando uma pergunta que eu fiz num evento do Invisibilidades do Itaú Cultural, uns 7 anos atrás….

SERÁ QUE O TAMANHO DO REAL MERCADO DE FCB É ESSE MESMO QUE ESTAMOS VENDO???????

Ivo Heinz ‎Horacio Corral, quanto ao Cisma, eu acho que nada mais é que muita gente disputando um espaço muito pequeno, para piorar ainda tem a ENORME questão dos egos…..

Horacio Corral Vou ressaltar, ou melhor, parafrasear, um comentário da época. Que o nome do evento do Itaú Cultura fosse INVISIBILIDADES era significativo, provocativo e simbólico demais. Alguns se divertiam fazendo alusões aos escritores e demais participantes, que eram, literalmente, invisíveis para o público geral. Afinal, ninguém sabia que eles existiam. Por quanto tempo isso será uma condição comum, ou se isso irá mudar, é difícil dizer. Mas vale lembrar que mesmo entre os escritores mainstream é difícil ver conhecidos do grande público. A literatura no Brasil ainda é, na mente da população, algo de elite e de privilegiados. Criadores, e autores, como Douglas Mct e JM Trevisan são mais conhecidos do que a maioria dos autores da segunda onda, e da dita terceira também, e não por suas obras literárias, mas por suas contribuições em outras mídias como HQs e games. Eu enxergo como um dos ‘problemas’ a mídia LIVRO, pois no Brasil ela é uma das que mais sofre na comercialização e com a ausência de profissionais e plataformas adequadas. Por exemplo, se todas as obras do Gerson Lodi-Ribeiro ou Roberto De Sousa Causo fossem games, digamos de iPhone/iPad (iOS), estaríamos falando de outras questões como rentabilidade ou qualidade mas, certamente, a falta de público não seria uma das preocupações.

Miguel Ángel Fernández Delgado Hola, Horacio, también hay muchos autores y pocos lectores. El índice de lectura, en general, es bajísimo. Los autores de más prestigio prefieren publicar en otros países, como España, aunque sólo pocos lo logran. La mayoría busca darse a conocer y ganar dinero participando en concursos o dando talleres y conferencias. En cuanto a los temas, hasta la década de 1960 comenzaron a publicarse propuestas de cuestiones claramente mexicanas, porque antes trataban de imitar más a los autores extranjeros, aunque siempre han buscado incluir ingredientes mexicanos. Por ejemplo, hay una novela de fines de 1950 (Palamás, Echevete y yo, o el lago asfaltado de Diego Cañedo) que está dedicada a H. G. Wells, y trata sobre unos viajeros en el tiempo que se desplazan al pasado para conocer en vivo los sacrificios humanos que hacían los aztecas

Pablo Grilo É estranho que todo mundo aqui saiba o que o “povo brasileiro” pensa da literatura especulativa nacional ou o querem consumir de livros. Eu vejo que essa entidade “povo” é tão volátil e praticamente impossível de se rotular ou de saber o que todos querem, já que são formados por pessoas totalmente diferentes entre si e que vieram de classes sociais distintas. Quer propor uma FC diferente através de uma experiência pessoal? Escreva algo assim pra um nicho específico. Só não recrimine quem pensa diferente e escreva literatura especulativa de forma mais comercial.

Cirilo S. Lemos Só há duas opções: desistir ou persistir.

Tibor Moricz Persistir sempre. Mesmo que sem nenhuma (ou quase nenhuma) esperança.

***

Se quiserem acompanhar a discussão na origem, sigam esse link:
https://www.facebook.com/tibor.moricz/posts/10150785785527295

Leiam, analisem, discutam entre si, opinem.

Valor Comercial x Valor Literário

21/03/2012

Ontem retuitei os seguintes tuites da Madame borboleta (@mmeborboleta):

Madame Borboleta
Você acha que as editoras publicam literatura de qualidade? Te digo: Não. Publicam literatura que vende.

Madame Borboleta
A qualidade literária não tem absolutamente nada a ver com o mercado editorial. Qualidade é o último critério para publicação de uma obra.

Depois fiquei pensando sobre o assunto.

Valor literário e Valor comercial não são características excludentes. Sabemos todos que as editoras vivem de vender livros. Esse é seu negócio. Precisam comercializar muitos livros de Valor comercial para poder publicar alguns livros de Valor literário. O eventual lucro de uns para bancar o eventual prejuízo de outros.

Mas quem disse que um autor preocupado em escrever um bom plot não pode também elaborar a prosa para oferecer ao leitor uma mistura aprazível de qualidades?

Falando em literatura de gênero mais diretamente, atenção à estética e ao estilo não prejudica a fruição de uma boa e emocionante história.  Unir o útil e importante ao agradável e necessário é trabalho difícil mas vital para quem se preocupa com a própria imagem. Com a posteridade. As melhores histórias são aquelas cuja prosa também encanta. São as que sobrevivem na memória dos leitores. Não são descartáveis, não vão para o limbo.

Assim, diferenciar um do outro, separar o comercial do literário só é compreensível a autores que não dominam uma dessas ferramentas. E esses perdem muito. Uma boa história seja lá qual for o argumento, desde que se sustente, ganha peso se  estiver lastreada no esmero com a linguagem.

Não há nada mais terrível que enxergar uma boa ideia atrás de um monte de entulho, misturado em lixo narrativo.

Em que grupo de autores você está? Em que grupo de autores você quer estar?

Mercado editorial. Big Crunch previsível.

19/01/2011

Quando publiquei meu primeiro livro (Síndrome de Cérbero) não havia, nos meus parcos conhecimentos da época, uma editora (fora a Devir) preocupada em lançamentos de autores brasileiros de gênero. Todas as outras publicavam o gênero esporadicamente, ou disfarçados para não parecerem FC ou de autores consagrados lá fora (ou ambas as coisas juntas).

Pouco a pouco foram surgindo pequenas editoras, provocando uma espécie de Big Bang editorial que vem se expandindo até agora. Acho muito curioso e significativo que surjam a cada dia novos selos, novos editores, novos organizadores. Sinal claro de que essa expansão continua a todo vapor.

Mas será que temos mercado para o boom de publicações que está se verificando?

Enquanto se amplia o mercado editorial, o de leitores continua estagnado. Ora, podemos argumentar que mesmo assim temos leitores suficientes para suprir a demanda e que há nichos suficientes para satisfazer as necessidades das editoras. Mas as editoras de ocasião (e organizadores oportunistas também) pululam, surgindo umas após as outras, num ritmo espantoso. É de se supor que viveremos uma saturação próxima.

Existem autores suficientes para suprir a necessidade de qualidade?

Sim, eles existem.

Por outro lado, é grande a quantidade de coletâneas que vão pipocando aqui e ali. A maioria delas sem uma atuação rigorosa dos seus organizadores, mais preocupados no cumprimento de prazos e na automassagem do ego do que em selecionar trabalhos de primeiro nível (alguns autores acabam se salvando nessas sopas ralas). As autopublicações também não ajudam nesse sentido, trazendo mais porcarias ao mercado que obras surpreendentes (não as condeno, porém. Para alguns não sobra alternativa). Salvam-se (quase sempre) as obras que passam obrigatoriamente pelas mãos de um editor, figura essencial nesse mercado. E é nas mãos de poucos editores competentes, dedicados e comprometidos que veremos o mercado sobreviver.

Acredito que esse Big Bang editorial acabará sofrendo uma estagnação súbita em algum momento de sua expansão e a contração que advirá será inevitável. Sobreviverão apenas as casas editoriais sérias, os organizadores empenhados com qualidade (e não com o oba-oba, próprio do meio) e os autores mais preparados tecnicamente. Os demais ficarão perdidos na areia do tempo, esquecidos.

De qualquer forma, agradeçamos. São os autores ruins que ajudam a destacar os bons. São as editoras de ocasião que ressaltam as sérias e são os organizadores oportunistas que engrandecem o trabalho dos sérios e compromissados.

Confirmando o ditado popular, nosso mercado editorial é uma balança onde pesos e medidas nem sempre estão de acordo. Mas não sei dizer até onde isso é ruim.

Salto quântico. Que bicho é esse?

17/02/2010

Essa expressão foi utilizada duas vezes, recentemente. Uma aqui no blog, na caixa de comentários, por Guilherme Kujawski (Temos ou não temos leitores – 28/01/10) e mais recentemente em seu próprio espaço (http://tinyurl.com/y9qntol), comentando uma recusa que recebeu numa coletânea organizada por Marcelo Branco.

Mas o que é que podemos entender desse “salto quântico” relacionado à nossa literatura de gênero?

Uma interpretação poderia se basear no aspecto de qualidade narrativa. Outra, no aspecto de inovação do argumento.

Se considerarmos que esse salto ainda não ocorreu, como poderíamos identificá-lo no momento exato de seu surgimento? Não é suficiente argumentarmos que uma ou outra recusa (ou uma ou outra obra de qualidade inferior) signifiquem nossa presença numa espécie de idade das trevas literária.

Se por um lado temos obras fracas, por outro temos obras muito boas. Não creio que todos os autores, para poderem se aproximar do Olimpo, tenham que escrever obras inovadoras, mais próximas do que se produz em países anglo-saxões.

Precisam, antes disso, escrever obras bem tramadas, bem construídas, bem narradas, com cuidado especial no estilo, com prosa rica e fluente.

Nesse sentido, citarei Roberto de Sousa Causo, Gerson-Lodi Ribeiro, Fábio Fernandes, Carlos Orsi Martinho, Braulio Tavares, André Carneiro, Jorge Luis Calife e outros que podem muito bem sustentar o bastão desse hipotético “salto quântico”, cada um em seu tempo, considerando que alguns são escritores que fazem parte de gerações anteriores, embora produzam normalmente até hoje.

Então esse “salto quântico” não se deu até agora?

Eu diria que se ele existe, já ocorreu há tempos e vem ocorrendo espasmodicamente. O “salto quântico” não é um evento mensurável num universo de obras coletivas. Ele é só identificável na particularidade, no individual. Um ou outro autor, no momento em que vence a barreira imposta pela mediocridade literária, dá seu “salto quântico”. Assim, esse curioso evento conviveria em nossa realidade desde a primeira obra de gênero produzida, desde a primeira onda de autores e vem pipocando aqui e ali, de acordo com lançamentos que justifiquem a teoria de sua existência.

Um autor que dá o salto hoje poderá regredir amanhã. Nem nome, nem presumido talento livra o escritor da queda se não houver rigor constante, autocrítica permanente, equilíbrio e humildade para entender que estamos sujeitos às exigências de mercado, sejam elas objetivas ou subjetivas. De outra forma, o “cálice sagrado” tão procurado se parte em fragmentos quânticos entre nossas mãos.

Yes, nós temos leitores!

10/02/2010

A grande quantidade de títulos de ficção científica que vêm sendo publicada não significa outra coisa, embora, para muitos, a larga escala de publicações possa encalhar na curva do rio.

Para mim, só encalha o livro que for ruim ou que não receber um atendimento editorial digno, incluindo aí uma distribuição eficiente. Claro está que “não encalhar” não significa se tornar um Best seller. Para o autor nacional de FC (ou de fora dele) vender um milhar de exemplares (ou até menos) já é resultado digno de festa com fogos de artifício.

Contatei alguns editores conhecidos procurando deles o conhecimento que só os moradores do Olimpo possuem, para tentar elucidar essa dúvida que vem sendo destrinchada em artigos sequenciais neste blog (Temos ou não temos leitores – Partes I, II, III e IV) e que pretende terminar neste último (se é que esse assunto encontrará fim um dia).

Adriano Fromer Piazzi, editor da Aleph foi, até agora, o único a se manifestar, espero que os demais saiam de seu silêncio e nos deem uma pitada de sua sabedoria:

“Em linhas gerais existe público leitor, sim, e ele está aumentando, ainda que a passos lentos.  Percebe-se um interesse bem maior pela literatura de FC, tanto por parte dos leitores, quanto por parte das livrarias. Hoje, é possível ver livros de FC da Aleph bem expostos em várias das grandes redes. E o melhor, sem nenhum evento específico para estimular essa exposição (como um filme, uma data comemorativa, uma moda literária). O que temos que ter em mente é que o comportamento de vendas de um livro de FC está sujeito às mesmas regras de mercado de um livro de outro tipo de literatura.

Acho que uma das grandes mudanças foi a Aleph, juntamente com outras editoras, começar a publicar FC. E provar, via esforço de divulgação, que é possível vender esse tipo de literatura, ainda que as vendas estejam muito aquém de outros gêneros.

Na minha percepção, o começo do milênio foi marcado pela valorização  da cultura geek. E FC está diretamente ligada a isso. Ou seja, hoje quem lê FC é cool, “antenado”. Já vi gente se sentir “culpada” por nunca ter lido nenhum livro de FC. Isso mostra que o gênero está sendo valorizado.

Por outro lado, a abertura para autor novo nacional é sempre muito complicada. Seja autor de FC ou não. Mas isso depende muito também do investimento, esforço e poder de negociação da editora.

Acho que hoje, talvez, pelo histórico da Aleph na área, alguns livreiros dessem o crédito e apostassem em algum autor nacional que publicássemos. Mas aí, se o cara não vende, fica difícil dar credibilidade ao próximo autor.

Mas claro, faz TODA a diferença se o lançamento que apresentamos é do Philip Dick, e não do Felipe Pinto.”

Mercado editorial e seus esconjuros e sortilégios.

26/01/2010

Dentre todos os lançamentos desse ano na Editora Draco, existem três obras de autores que são novatos. Os romances: Baronato de Shoah, Annabel e Sarah e a antologia Dias estranhos (José Roberto Vieira, Jim Anotsu e Saint-Clair Stockler respectivamente).

Sabemos das dificuldades para emplacar um romance numa editora (e me refiro a uma tradicional, e não por demanda. Nessas, qualquer um com grana faz). Existem milhares de pretendentes a escritor, desses algumas dezenas com algum talento e desses, apenas um ou dois, munidos de patuás, com a sorte de conseguir.

Dentre as histórias de sucesso nesse concorridíssimo mercado (não me refiro ao sucesso de vendas, mas ao de simplesmente conseguir publicar), existem ainda outras que parecem reforçar essa aura de mistério indissolúvel que o mercado editorial transpira. Quando, por exemplo, um autor não só consegue publicar um romance, mas DOIS num mesmo ano. Está aí a prova de que reza brava e ebós as vezes fazem a diferença.

Estou falando de Carlos Orsi, que vai emplacar A guerra justa e O nômade em 2010. E isso também não é para qualquer um (também não é para qualquer um beber um legítimo Scotch com gelo milenar. Orsi é o verdadeiro sub-zero man).

Carlos Orsi:

“O segundo romance é o Nômade, um juvenil que havia escrito sob encomenda de uma editora da área há vários anos (nem me lembro bem de quando; por volta de 2005, acho).

O fato é que a tal da editora, depois de ter o texto pronto, ficou cozinhando o galo um baita tempo — diziam que o romance estava aceito, mas não tomavam nenhuma atitude a respeito… nem me mandavam contrato, nem mexiam uma palha para publicá-lo — e, quando o saco finalmente estourou, em 2009, mandei tudo às favas e publiquei o livro de graça no Scribd, como PDF.

Graças à publicação no Scribd e à “mídia” que a publicação gerou (por exemplo, as resenhas que pipocaram online) outra editora de papel, que vinha buscando material para lançar sua própria linha de ficção juvenil, resolveu encampá-lo. Não digo o nome da casa editorial agora porque não sei se a inauguração da linha, que ainda deve levar uns meses, é algum tipo de segredo comercial ou não…

A negociação foi bem simples: mandaram-me um e-mail, conversamos por telefone, enviaram-me um contrato com previsão de tiragem e participação nas vendas, e voilà!

Quanto à coincidência, a bem da verdade acho que o fator inesperado nessa história foi o surgimento da Draco; a conversa para soltar o Nômade já estava bem adiantada quando o Erick começou a coligir o material para a editora nova. Além disso, há o fato estatístico de que tenho tanto material flutuando por aí que cedo ou tarde um ponto desses fora da curva ia acabar acontecendo.

E falando em estatísticas, fiz uma conta rápida outro dia: digamos que a chance de um livro deixar seu autor rico num dado ano seja de 2%. Lançando dois, a minha cresce para 1-(0,98)^2, ou 3,96%. Para ter uma chance superior a 50% eu precisaria lançar uns 36 volumes em 12 meses. Não cheguei lá ainda, mas quem sabe um dia…”

Considerando correta a estatística do Orsi, ficar rico publicando é bem mais fácil que acertar na mega sena. Então vamos escrever, gente.

De Bar em Bar ENTREVISTA Erick Santos

03/12/2009

O pó em suspensão era abundante. O chão tremia como se terremotos sucedâneos se abatessem. Gritos ferozes retumbavam; guinchos, uivos, bramidos. Árvores arrancadas pelas raízes voavam para todos os lados. Rochas maciças rolavam, chocavam-se, partiam-se em milhares de fragmentos. Mesmo assim pude ouvir o canto do Manon, como se tudo aquilo, a desgraça e o terror, não fossem mais que momentâneos. Como se na singeleza de seu canto pudessem evanescer os infortúnios que se abatiam sobre solo nipônico.

Escondi-me num vão entre rochedos. Distante da contenda, mas perigosamente próximo dado a gigantesca estatura dos monstros que se enfrentavam.

— Godzilla – murmurei admirado. – Megalon – completei com não menos admiração. Olhei para o relógio quântico, verifiquei as horas e vi que estava atrasado. Não estaria se tivesse me posicionado mais perto do bar. Precisava correr e o fiz. Contornei monturos, rastejei por baixo de escombros, sempre com a impressão de que, em pouco tempo, os monstros cairiam sobre mim. Foi quando adentrei numa ravina, que vi o bar. Estava a uns cento e cinquenta metros de distância.

Corri feito um doido. Abri a porta, esbaforido, e entrei fechando-a atrás de mim.

Silêncio. Nada, a não ser o marulhar pacífico de um aquário onde carpas nadavam tranquilamente. Erick Santos, editor da Editora Draco, estava sentado diante do balcão. Comia sashimi e sorria, ora para mim, ora para a japonesinha de kimono multicolorido que o atendia tão solícita.

Aproximei-me devagar. O coração ainda aos saltos. Na garganta o gosto do pó.

— Demorou – comentou Erick, expressão radiante, cabelos em desalinho, roupa empoeirada, dando um gole parcimonioso no conteúdo de uma pequena vasilha. – Está servido?

— Você viu o que está acontecendo lá fora? – perguntei, ainda sem fôlego.

— Passei por eles há coisa de meia hora. Tive vontade de pedir autógrafos, mas fiquei na dúvida se havia gente dentro das fantasias ou se eram reais mesmo.

— Melhor não facilitar – respondi, sentando-me ao seu lado. Apontei a vasilha e inquiri sobre o conteúdo.

— Saquê. Essa pequena vasilha se chama ochokos e a maior, que a japonesinha está segurando chama-se tokkuri.

Ela me serviu. Virei o conteúdo inteiro na boca. Senti minhas faces se avermelharem e minha garganta se transformar numa fornalha. Observei rapidamente a decoração. As paredes eram ornadas com quadros de paisagens, a maioria exibindo o monte Fuji, cerejeiras e lagoas com carpas. Não era um bar muito grande. Sua área se estendia por duas dezenas de metros, subdividida por biombos de papel de arroz, quase transparentes de tão diáfanas. Dentro desses reservados havia mesas e cadeiras à moda ocidental.

Na minha frente o sushiman filetava salmão.

— Você é um bom conhecedor da cultura japonesa, não é? – perguntei.

— Estudei japonês por 10 anos, formalmente. Até hoje leio e estudo esporadicamente, pra ler mangás e jogar videogames. No site gamedreamz.com cheguei a fazer resenhas de games japoneses. Conheço bastante do cotidiano, se é que alguém pode conhecer uma cultura através de sua produção pop. No mínimo, sei o que idealizam e buscam. A narrativa japonesa, desde o cinema e teatro kabuki até os mangás e games, é uma área pela qual me interesso muito, assim como o costume de segmentação extrema dos produtos deles. Sou apaixonado pelo Japão, mas não tive oportunidade de visitá-lo ainda.

— Então cenários como esses, com monstros e heróis japoneses não lhe são absolutamente estranhos. Mesmo os anteriores ao seu tempo – continuei.

— Conheci todos quando era adolescente, dos 15 aos 18, quando fiz parte de um grupo de divulgação japonesa, o Hero Magazine. Fizemos mostras de vídeo até no MIS de SP, interagimos com outros grupos de fãs da época e escrevi meus primeiros artigos jornalísticos na revista Heróis do Futuro e futuramente um para a Folhinha de São Paulo. O grande negócio da época era o Saint Seiya, Os Cavaleiros do Zodíaco, responsáveis por reviver o interesse da mídia mainstream nos animes. Os seriados live-action sempre fizeram parte da saudosa Rede Manchete. Depois a TV Bandeirantes e até a TV Globo entraram nessa. Hoje em dia a televisão por assinatura dá muitas opções, as editoras de mangás são uma realidade sólida, um mercado que por muito tempo viveu da ação de fanzines e pirataria editorial. O público que tem hoje 15 anos tem muitas opções, incluindo a rede — algo inconcebível pra mim na época –, que não dá pra pensar que isso tudo era tão diferente há 15 anos. As coisas se transformaram rápido demais.

— É mesmo – concordei sem pensar muito. Já estava na terceira vasilha ou ochokos de saquê e o que era fogo líquido ia se transformando devagarzinho num delicioso tranquilizador. Nem as imagens terríveis do embate entre Godzilla e Megalon me assustavam mais. Elas pareciam flashes distantes, de um episódio antiquíssimo, adormecido nas brumas do tempo.

— Como e onde essas influências o transformaram de artista ou editor de mangás eróticos – aliás, fale um pouco sobre isso – em editor de livros, mais especificamente em literatura de gênero?

Erick engoliu com calma o sashimi, bebeu mais um gole de saquê e, limpando a boca com um guardanapo, virou-se para mim a tempo de ver a porta de frente do bar sendo aberta violentamente e entrarem por ela sete homens convulsionados, empunhando katanas e gritando como se perseguissem alguém – ou fossem perseguidos.

— Toshiro Mifune! – exclamou Erick, vendo-os desaparecer pelos fundos do bar.

— Akira Kurosawa, Os sete samurais – murmurei. Olhei para o relógio e pensei se não estava acontecendo mais alguma discrepância quântica, a exemplo do que ocorrera durante a entrevista com o Xerxenesky. Não me surpreenderia se Spectreman irrompesse também ali, derrubando algumas mesas. Eu havia programado uma entrevista calma e sossegada num bar oriental. Não previra lutas entre colossos do cinema catástrofe japonês, nem aparições perigosas de homens enlouquecidos brandindo espadas.

Olhei para Erick e ele estava eufórico. Sem dúvida se divertia muito com tudo.

— Cara, essa entrevista está sendo demais! – e, então, centrando a atenção no assunto discutido, continuou. – Fui artista de mangás eróticos, a publicação foi mais autoral que editorial. Como artista, fiz muitos contatos e amigos na internet – inclusive, da minha atuação no Samaco Hentai, veio o convite para ser ilustrador do gamedreamz.com. Mas foi de um sonho de publicar as coisas em que acreditava e amava que surgiu a Editora Draco. Gosto muito de quadrinhos, dos adultos aos infantis, e os lia muito mais que literatura propriamente dita. Porém, mesmo no cinema, games e quadrinhos, fantasia e ficção científica sempre me atraíram. A minha experiência em uma editora – trabalho na Editora Globo –, com uma equipe de pessoas competentes e apaixonadas, deu-me a dimensão do que é o mercado; como se fazem livros e o que significa a palavra “editar”. Hoje me considero mais editor que artista, pois admito que trabalho melhor junto aos talentosos e aos criativos para construir produtos, do que sozinho.

— Consegue imaginar a Editora Draco no futuro?

— Ah, imagino uma editora presente por todo o Brasil, com os maiores autores de literatura de gênero encabeçando esse sonho. Vejo fantásticos álbuns em quadrinhos e livros que possam estar na mão de todos os tipos de leitores, não apenas dos aficionados. Vejo a literatura de gênero nacional fazendo as pessoas se emocionar e esperarem ansiosas pelos próximos volumes de séries de sucesso. Mas divulgando e lançando constantemente novos autores, que não dependerão mais de autopublicação para ter edições de respeito e uma chance com os leitores.

— Pode adiantar alguma coisa sobre os projetos da editora para os próximos meses? – Fiz a pergunta com um pouco de pressa. Até aquele momento o bar não parecia sofrer as consequências da luta titânica que acontecia do lado de fora. Mas um tremor constante e cada vez mais intenso me punha de sobreaviso.

— Temos cinco romances de autores nacionais, iniciantes e veteranos. Temos também a Imaginários 3 e 4, com contos muito bons, também com grandes e novos autores. Além da Coleção Imaginários, temos três coletâneas temáticas em andamento – Vaporpunk e Brinquedos Mortais entre elas -, além de outras duas coletâneas, mas essas autorais.

— Ao que parece, bastante trabalho num esforço admirável para formar catálogo e construir imagem. Erick, a entrevista está pronta. Não tenho mais nada para perguntar. Acho melhor irmos embora.

— Ah, mas ainda não acabei meu sashimi. E o saquê está delicioso. Oras, chegamos ainda há pouco! – protestou, dando uma olhada de relance na japonesinha que bamboleava o bumbum naquele kimono tão sensual e colorido.

Os ochokos já chacoalhavam sobre o balcão. Um sushi escorregou para fora do prato e caiu aos nossos pés. O Sushiman largou facas e saiu correndo. Sugeri fazer o mesmo, mas Erick estava fascinado demais para me ouvir. A atenção dele se concentrava todinha no teto do bar, que em instantes foi arrancado. Acima de nós, ameaçador, estava Godzilla. Abriu a bocarra imensa e, além do mau hálito terrível, despejou um jorro de vômito nuclear, destruindo tudo.

Por sorte eu apertei o botão do relógio instantezinhos antes disso.

Quem avisa, amigo é.

19/11/2009

Missão cumprida. Até achei que ia demorar mais. Mas a colaboração foi grande, a inspiração foi muita e vontade foi férrea. A esperada entrevista está pronta. Está finalizada.

Verão que não existem muitas perguntas, só umas poucas que achei adequadas e relevantes ao momento atual. Verão também que devido a sua estrutura, uma quantidade de perguntas maior a tornaria tão extensa que seria necessário fragmentá-la em duas ou mais partes para serem postadas em dias seguidos.

Porque não a posto hoje mesmo?

Para aumentar a expectativa. E para ganhar com ela todo o final de semana, já que não postarei nada nem no sábado, nem no domingo.

Venham ler a entrevista completa amanhã pela manhã, depois das 9 horas. E cuidado. Se me virem por perto, fora das esquinas virtuais, com um relógio estranho no pulso, saiam correndo.

Quem avisa, amigo é.

Novidades no blog. De Bar em Bar vem aí.

16/11/2009

Eu já vinha pensando há algum tempo em realizar entrevistas, mas sempre perdia o ânimo por ver que muitos fazem isso. E o que mais uma entrevista teria para acrescentar? Nada, a não ser que ela fugisse completamente do tradicional, que rompesse integralmente com as batidíssimas fórmulas utilizadas: pergunta = resposta = pergunta = resposta.

Porque, venhamos e convenhamos, o que é que um conjunto de perguntas previamente formuladas tem de interessante além da própria carga de informação que pretendem conduzir? Nada.

Ah, mas uma entrevista é isso mesmo, me dirão. Perguntas e respostas intercaladas, onde entrevistador e entrevistado se limitam ao assunto estabelecido numa pauta.

Está bem, direi. Mas não as minhas.

As minhas apresentarão bem mais que a informação mínima que cada pergunta pretende trazer. Entrevistas que farão possíveis entrevistados desejarem e temerem isso.

E falta pouco. Talvez mais uma semana. Porque elas demoram a ser feitas. Não se limitam a perguntas e respostas intercaladas.

Serão realizadas em bares da moda. Neste mundo, noutro mundo ou em mundo nenhum.

De Bar em Bar1

Um poderoso homem do mercado editorial aceitou o convite. Concordou em se colocar à minha disposição, mesmo correndo riscos incalculáveis.

Segurem-se em suas cadeiras e fiquem preparados.

O dia “B” está chegando.

Vai um ebó, aí?

29/10/2009

Oferendas

“Tostines é fresquinho por que vende mais ou vende mais por que é fresquinho?”

A pergunta pode ser transportada para o mercado editorial.

“Livros vendem mais por que são melhor distribuídos ou são melhor distribuídos por que vendem mais?”

Sabemos todos (ou quase todos) que as livrarias não compram (nem recebem em consignação) livros de autores desconhecidos, livros de editoras novas cujo catálogo é ainda pequeno e livros cujas temáticas lhes sejam do desagrado.

Assim, realizar uma distribuição efetiva, só mesmo para as editoras maiores, cujos catálogos reúnem obras suficientes (e devidamente distribuídas) para agregar valor à unidade. As vezes, mesmo assim, as coisas são suadas, com um grande sacrifício que nem sempre resulta em vendas.

Porque além da distribuição existe outra coisa chamada exposição.

Muito bom espalhar o livro por dezenas de livrarias. Mas uma rápida visita em cada uma delas determinará para a maioria dos estoicos editores que os mesmos estão espremidos nas prateleiras. Longe da azáfama próxima das gôndolas de best-sellers e dos nomes famosos que se não vendem tanto, ao menos chamam a atenção.

(vou ignorar de mentirinha que as livrarias não cobram por essa exposição, exigindo das editoras uma quantia “x” em dinheiro para o livro ficar ali, pertinho da multidão)

Nas prateleiras não têm visualização. Sem visualização não há impacto (desde que haja algum impacto para oferecer), sem impacto não se cria o desejo. Sem desejo não se pega o livro nas mãos, não se lê as orelhas nem a quarta capa, o livro só será comprado por alguém que for à livraria atrás dele especificamente.

Assim, voltamos à ciranda maluca. Sem resultado comercial (e isso só se pode calcular fazendo a bendita distribuição) as livrarias não querem. Se as livrarias não querem, não há como obter resultado comercial.

Existe solução? Creio que sim. Dizem que um ebó cheio de farofa, azeite de dendê, uma galinha preta degolada, ossos descarnados, seis velas pretas e seis vermelhas acesas numa meia noite de céu claro e esquina sombreada dão jeito.

Já estou preparando o meu. Vocês que cuidem dos seus.

E o Tranca-Ruas que vá se danar.


Pedro Moreno

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