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Capa da coletânea Brinquedos Mortais revelada.

22/03/2012

Brinquedos Mortais nasceu a partir do conto de Saint-Clair Stockler que, mesmo curto, me causou impacto. Enxerguei na mesma hora a possibilidade de ampliar o universo que aquele conto apenas permitia entrever e idealizei essa coletânea. A Editora Draco abraçou a proposta e pusemos, então, mãos a obra. Poderíamos tê-la aberta inteira para submissões, mas nos preocupamos prioritariamente com a qualidade literária e, para evitar longas buscas e exaustivas análises, achamos por bem convidar seis integrantes, certos de que não nos decepcionariam (e, de fato, não nos decepcionaram).

São eles: Ataíde Tartari, Braulio Tavares, Carlos Orsi Martinho, Lúcio Manfredi, Luiz Bras e Roberto de Sousa Causo.

As outras quatro vagas nós as deixamos para a disputa de contendores hábeis. E que vencessem os melhores. Foram muitas as submissões e algumas delas tão boas que nos causaram verdadeira dor deixá-las de fora.

Os quatro selecionados foram:  Brontops Baruq, João Beraldo, Pedro Vieira e Sid castro. Com as narrativas dos organizadores, a coletânea perfaz ao todo doze contos.

Sinopse oficial:

Brinquedos mortais, uma coletânea organizada por Saint-Clair Stockler e Tibor Moricz, reúne 12 autores que apresentam universos díspares e, ao mesmo tempo, convergentes, dialogando com o inusitado, o assustador, o cômico e o repulsivo. Burilam seus textos com cuidado cirúrgico, capricham na prosa para oferecer aos leitores uma excelente literatura de entretenimento.

Bonecos cheios de más intenções, brinquedos ameaçadores, jogos estranhos e perigosos. Narrativas onde a morte é uma constante e onde a vida em todas as suas formas está sempre por um fio.

Ataíde Tartari , Braulio Tavares, Brontops Baruq, Carlos Orsi Martinho, João Marcelo Beraldo, Lucio Manfredi, Nelson de Oliveira, Pedro Vieira, Roberto de Sousa Causo, Saint-Clair Stockler, Sid Castro e Tibor Moricz convidam os leitores a penetrar em mundos ameaçadores e a compartilhar essa fascinante e mortal experiência.

Breve sinopse de cada conto:

• Um FDP blindado (Ataíde Tartari)

Numa releitura de Dorian Gray, o conto narra a cabulosa história de Dagá, um rapaz protegido de todas as terríveis consequências de seus atos por um incrível artefato Hi-Tech.

• HAXAN (Braulio Tavares):

Num futuro próximo, um grupo de garotos se diverte praticando pequenas transgressões, fugindo das milícias armadas, e usando aparelhos de realidade virtual com fins educativos para brincadeiras violentas.

• Astronauta (Brontops Baruq)

“As câmeras de observação de raios-x já foram objetos de uso puramente militar. Hoje qualquer camelô vende uma de brinquedo tão boa quanto as usadas pelo Exército. Com estes binóculos, é possível acompanhar a rotina e os rituais de um estranho casal, que mora no edifício em frente. Dentro de alguns minutos, será chamada a polícia. Não é maldade, é apenas outra brincadeira.”

• Grande Panteão (Carlos Orsi):

Deuses ou brinquedos? No grande panteão, sacerdotes de todas as crenças e divindades preparam seus encantos para o festival, mas nem tudo que parece mágica realmente é: engrenagens, carvão e vapor criam os milagres a que milhares de peregrinos esperam assistir.

• Brinquedo perfeito (João Beraldo)

Explorar o espaço pode ser mais fácil do que lidar com uma adolescente. É o que descobre Thiago, viajante espacial e pai solteiro. Tentando se aproximar da filha, compra em uma de suas viagens o presente perfeito.

• Hipocampo (Lúcio Manfredi)

Um game, um cavalo marinho, labirintos intermináveis e mundos paralelos. Cuidado com suas escolhas. Elas podem mudar drasticamente o mundo à sua volta.

• Daimons (Luiz Bras)

Daimons (antiga palavra grega que significa espíritos) é sobre um grupo de brinquedos inteligentes conspirando contra a hegemonia humana. Os brinquedos querem tomar o poder e pra isso precisam da ajuda das crianças, que eles tentam manipular a seu favor. Nesse conto, os brinquedos agem como consciências más, sussurrando ordens no ouvido das crianças, torturando as mais desobedientes.

• Austenolatria (Pedro Vieira)

Em Austenolatria, o estranho fetiche de um professor de literatura inglesa pelas heroínas da obra de Jane Austen deixa de ser inofensivo quando provoca ciúmes em Elizabeth Bennet e seu seleto círculo de amizades.

• Um herói para Afrodite (Roberto de Sousa Causo)

Tudo começa quando Leandro Vieira adquire, por uma pechincha, uma estatueta, estranhamente erótica, de uma mulher de beleza estonteante. Uma brincadeira revela que a deusa representada na estátua o quer como seu herói. O preço a pagar é, porém, muito alto.

• O homúnculo (Saint-Clair Stockler) 

A mais perfeita engenharia genética. Homúnculos para o deleite, para o prazer de adquirentes perturbados pela rotina. Uma brincadeira que deixa de ser divertida para começar a ser dolorosa.

• O segredo do McGuffin (Sid Castro)

Nos sombrios módulos da mais antiga Estação Espacial do Universo, na gigantesca Central da Galáxia, o detetive Sol Spada enfrenta a sedução de uma sereia laureana, a ameaça de gangsteres alienígenas e a desconfiança de um policial robô de dúbia honestidade, enquanto busca o McGuffin, um artefato dos Primordiais que pode conter… o Segredo do Universo!

• Boneca Dendem, feliz quem a tem (Tibor Moricz)

A ânsia de sentir o plástico e os circuitos internos de seus corpos substituídos por carne e sangue, move um a um os bonecos de uma cidade inteira numa viagem ao passado na busca incansável dessa realização.

***

Fiquem ligados que o lançamento é breve, muito breve… 🙂



Só a antropofagia nos unirá?

14/12/2011

Braulio Tavares está lançando uma coletânea de FC chamada Páginas do Futuro pela editora Casa da Palavra (Leiam matéria em O Globo, aqui) e responde a uma entrevista onde declara que a literatura fantástica brasileira precisa de um movimento antropofágico que a faça cortar o cordão umbilical que a prende às referências anglo-saxônicas.

Tal proposta já havia sido feita há alguns anos por Ivan Carlos Regina e, ao que parece, ainda não foi colocada em prática (com digníssimas exceções).

Vocês, meus queridos leitores, acreditam que esse rompimento com as referências externas e um mergulho no caudal de matéria bruta que nossa geografia, história e mitologia oferecem é absolutamente obrigatório? Podemos sobreviver sem isso? A literatura de Ficção Científica e Fantasia brasileira se tornaria mais rica, mais exuberante ou mais inteligente se explorasse cenários e personagens tipicamente brasileiros?

Ou boa literatura independe de cenário e ambientação e tudo isso é uma condenável xenofobia?

Diga o que pensam, exponham suas opiniões.

***

Minha opinião:

Uma boa história independe de território. Se o cenário são as matas amazônicas, ou as estepes turcas, ou o deserto de Nevada, pouco ou nenhuma importância tem. O argumento está acima de localização geográfica ou cultural. Ninguém está obrigado a escrever suas histórias se utilizando obrigatoriamente de cenários brasileiros, de personagens brasileiros. Também não acho que todas as histórias precisam ser ambientadas fora de nosso país. O argumento é que define isso. Sempre o argumento.


Portal 2001 – Lido e comentado.

14/09/2010

Ter recebido todos os cinco portais tem sido uma honra que devo a Nelson de Oliveira, a quem agradeço pela enorme generosidade.

Recentemente me inquiriram sobre os dois primeiros (Solaris e Neuromancer) e se eu os tinha lido e comentado aqui no blog. Até pensei que tinha e fui procurá-los. Com surpresa descobri que, embora os tenha lido, não os resenhei.

Fica para uma próxima encarnação, então.

Perguntaram-me também porque ainda não tinha publicado nenhum conto nos portais. Respondi que até ia publicar no Neuromancer, mas problemas financeiros súbitos me impediram. Depois acabei desistindo por optar em manter um comportamento único para todas as coletâneas pagas. Ou seja: se tenho que pagar, então não participo.

Isso não tem nada a ver com qualidade editorial ou literária. Nem se se trata de coletânea caça-níquel ou não. Apenas critério.

Quanto ao Portal 2001, recebi e o li quase numa só tacada (tá, uma tacada que demorou uns cinco dias… rs). Gostei bastante desse, talvez mais que dos demais. Ainda assim há contos que não conseguiram dialogar comigo, nada tiveram a me dizer. Assim, ignorarei a esses, não os comentando (Não significam que sejam ruins, embora alguns sejam, sim, eca!). Poupo o meu vernáculo e poupo a integridade intelectual do autor.

Vamos aos meus comentários:

A república do recurso infinito – Braulio Tavares.

Braulio Tavares é hoje uma unanimidade nacional (por mais que toda a unanimidade seja burra, segundo Nelson Rodrigues). Dono de uma verve excelente e admirável criatividade. Nesse conto ele consegue ser bastante desconcertante. A excelência levada à enésima potencia fragmenta a sociedade em compartimentos cada vez menores e burocraticamente controlados. Traz como resultado a opressividade do controle estatal sobre o indivíduo.

Arribação rubra – Roberto de Sousa Causo.

O conto é um prosseguimento de trabalhos anteriores, publicados desde o primeiro Portal. Shiroma é a protagonista, uma agente mortífera e arduamente treinada. Assassina, trata-se de uma ferramenta eficaz nas mãos de tutores inescrupulosos. Dessa vez vi uma personagem mais falível. Não tanto inatingível ou implacável. O autor revelou que por trás da carapaça de eficácia se esconde uma mulher frágil e com anseios bastante humanos. Shiroma mesmo sob um aparente fracasso, completa sua missão de forma bem sucedida. Gostei muito da ambientação e do cenário. Dos contos do Causo com essa protagonista, o melhor até agora.

A paz forçada – Mayrant Gallo.

Nesse conto, o autor explora um futuro próximo onde questões políticas aparentemente insolúveis entre países, são resolvidas com pulverizações continentais. Mostra um avanço científico e tecnológico irreal para daqui a 30 ou 40 anos. Narrativa fluida e até contagiante, porém superficial. Mostra uma nova ordem mundial geopolítica numa abordagem muito periférica.

Além do espelho – Claudio Parreira.

Bebum numa mesa de bar devaneia ou vive uma realidade que só ele é capaz de atingir. Homem desesperado pela perda da mulher a quem amava faz trato com figura misteriosa, fruto do entorpecimento de seus sentidos ou entidade fantástica. Realidade e fantasia se misturam de forma que somos incapazes de dizer qual delas domina o cenário.

Sentinela – Delfin.

Avanço científico e tecnológico permite ao homem criar clones de si mesmo, estéreis, porém. O que não se poderia supor é que essa criação se tornasse independente, reivindicando direitos que antes não possuía. O problema se torna tão emblemático que apenas a guerra poderá resolver. É quando soluções alternativas são elaboradas. Boa narrativa de viagem no tempo, linguagem consistente e boa solução, embora relativamente previsível.

Herdeiro dos ventos – Mustafá Ali Kanso.

Esse conto me surpreendeu. Bela e poética narrativa sobre a necessidade de ser livre nos atos e pensamentos, sem patrulhamento ideológico e sobre a prisão que os incompetentes, os invejosos, os frustrados e os amargos constroem ao redor daqueles que buscam a realização pessoal.

Uma carta para Guinevere – Mustafá Ali Kanso.

Homem em vias de realizar uma viagem espacial e se ausentar da Terra por séculos em voo subluminar redige a derradeira carta aos que ama. Poético como o anterior, mas não tão intenso nem tão deslumbrante.

Planetas invisíveis: Diana – Brontops Baruq.

Em fuga de crises sucessivas, povo encontra na miniaturização a solução para seus problemas até que o verdadeiro problema se torne a miniaturização. Cenário fascinante que mereceria um trabalho mais longo. Uma novela ou um romance. Criativo e admirável.

Rebobinados – Brontops Baruq.

Presidiário enviado em viagem de 1.800 anos junto a um maníaco sexual. Luta diuturna para manter a integridade física. Interessante (embora absurda) concepção de longevidade para que os protagonistas terminem a viagem ainda vivos. Bem conduzido e construído.

Prometeu acorrentado reboot – Sid Castro.

Nave terráquea encontra planeta gigante com fascinante estrutura de vida. Boa condução embora tenha sido bastante previsível. A complexidade científica apresentada escapa ao meu conhecimento.

Novo Início – Marcelo L. Bighetti.

Esse conto mexe com argumentos difíceis de deixar de lado, pelo menos para mim. Nazismo, ufologia e viagem no tempo. Trata-se por isso, de um trabalho com o condão de me prender na poltrona, logo nas primeiras linhas. Por outro lado, o autor comete alguns pecadilhos. Um deles é o de entregar o final do conto logo na quarta página, tirando qualquer surpresa do leitor. Outro se vê na aparente necessidade de enxugar o texto. Coisas ficaram mal explicadas, como, por exemplo, o que a descoberta de um disco voador com tripulantes moribundos tem a ver com uma passagem temporal (ou buraco de minhoca). O autor não explica como os cientistas chegaram às suas conclusões. Também ignora as inúmeras possibilidades de alteração de passado que redundariam em futuros os mais díspares e não apenas naquele que encerra o conto. Assim, embora o argumento seja fascinante, faltou a ele maiores explicações para que tivesse mais consistência. Como uma parede de tijolos sem argamassa. Qualquer esbarrão e vai tudo por terra.

Contato alpha 9 – Rodrigo Novaes de Almeida.

Esse conto me fez lembrar vagamente de O túnel do tempo pelo estilo de narrativa. Observadores externos assistem momentos históricos extraídos dos sonhos de humanos. Buscam por um artefato com o poder de destruir toda a galáxia. O conto traz coordenadas geográficas que tive a pachorra de verificar. Não são aleatórias (Que cada leitor faça a mesma verificação e descubra a que lugares representam). Segue um bom ritmo.

Neve e sanduiches, A gruta de Vênus, Eblon, Mãos de borracha – Maria Helena Bandeira.

Os quatro contos seguem os mesmos parâmetros dos trabalhos anteriores dessa autora. Com um pouco menos de hermetismo, talvez, mas ainda demonstram o desinteresse numa história linear, com começo, meio e fim, perfeitamente delineados. Isso não é ruim. A autora brinca com situações cotidianas em cenários alienígenas ou não, cenários bizarros ou fantásticos, mas cientificamente alterados indicando um tempo (ou realidade) além do nosso. Não são particularmente bons, mas também não são particularmente médios (ruins não são). Me deu aquele gosto de gostei/não gostei tanto. Na necessidade de classificar, opto então por um bom.

Primeiro de abril: Corpus Christi – Luiz Bras.

Cidade autoconsciente sofre ataques que visam penetrá-la, compreendê-la e, se possível, neutralizá-la. A história confusa, alegórica e aparentemente sem sentido me obrigou a erguer a suspensão de credulidade e passar a lê-la como um texto de fantasia.

Futuro do pretérito Ricardo Delfin.

Narrativa muito interessante, inteira no futuro do pretérito. Remete-nos a uma espécie de fast forward antecipando acontecimentos futuros dramáticos. Nada a ver com FC (pra mim), tem os dois pés no fantástico.

Gazeta marciana – Ricardo Delfin.

Notícias de uma Marte futurística onde o homem já a colonizou e nela construiu suas cidades. Ambiente curioso embora nada muito diferente daquilo que vivemos agora. A existência de uma civilização marciana nativa desloca o conto da FC para a fantasia, descaracterizando o cenário.

Amor perfeito – Rogers Silva.

Ode ao amor entre dois antagônicos pós-apocalipse permite inúmeras reflexões. Narrativa de orações extensas e que nos obriga a uma leitura atenta. O risco de se perder entre os dois narradores é grande. Texto muito bem trabalhado, embora eu creia que se prolongue demasiadamente, tornando-a cansativa.

Com a palavra: Braulio Tavares.

09/09/2010

Caros(as) amigos(as):

Convido a todos, principalmente os que moram no Rio de Janeiro, para o lançamento de meu livro, CONTOS OBSCUROS DE EDGAR ALLAN POE (Casa da Palavra), na próxima quinta-feira 9 de setembro, a partir das 18:30, na Livraria Blooks do cinema Artplex Botafogo (Praia de Botafogo, 316, fone 2559-8776). Haverá um bate-papo comigo e com Romero Cavalcanti, ilustrador de todas as antologias nesta série, e depois sessão de autógrafos.

Obrigado a todos!

Braulio Tavares

Cartas do fim do mundo. Lido e comentado.

30/07/2010

A coletânea Cartas do fim do mundo, organizada por Nelson de Oliveira e Claudio Brites e publicada pela Terracota Editora parte de uma premissa que considero excelente. Imagine que o mundo vai acabar no dia 31 de julho de 2013 (bem no dia do meu aniversário) e você decide escrever uma carta para alguém, seja familiar, amigo, conhecido, desconhecido ou para ninguém, apenas um relato solitário e histórico dos momentos angustiantes que precedem o fim.

Celeiro de ideias incríveis, o mote nos suscita argumentos variados.

Até preferia que autores reconhecidamente realistas mantivessem o foco no gênero em que se estabeleceram e consagraram. Não sei se a sugestão de adentrarem no terreno da FC foi objetiva ou subjetiva. Se houve uma sugestão direta ou se isso ficou no ar, meio que uma proposição vaga e não obrigatória.

O que aconteceu foi que autores chapinharam no inverossímil ao tentar acrescentar uma especulação científica qualquer às narrativas que, sem elas, evoluiriam muito bem. De qualquer maneira, os textos são bons. Aconselho aos leitores de gênero que ignorem sugestões de naves mães conduzindo um êxodo de humanos para planetas distantes em pleno ano 2013. Ou essas sugestões se ancoram numa realidade alternativa muito mal sugerida, ou são arroubo fantasioso, talvez motivado pela angústia provocada pelo fim do mundo iminente.

Há, claro, narrativas de FC genuína. E essas, escritas por quem entende do assunto, graças aos deuses.

Segue abaixo um por um dos contos, alguns com meus comentários:

1- Raimundo Carrero – Entre fogo e gelo – 31 de julho de 2013

Um desolado relato do que restou do mundo, entremeado das reminiscências do protagonista. Texto condoído que revela muito da insensibilidade humana diante do inevitável.

2- Marcio Souza – Ipanoré Cachoeira – 31 de julho de 2013

Lenda indígena explica o fim do mundo.

3- Braulio Tavares – Campina Grande – Agosto 2014

Presente e futuro (ou passado e futuro) ligados por um comunicador quântico. Fim do mundo anunciado, improrrogável e inevitável.

4- Moacyr Scliar – Porto Alegre – 10 de agosto de 2013

Conto que relata o fim do mundo para um e não para todos. Homem que crê em novo dilúvio universal refugia-se em local que acredita seguro. Mas o fim sempre nos encontra onde quer que nos escondamos.

5- Marcelino Freire – Sertânia – 31 di Julio di 2013

Homem do sertão narra o fim do próprio mundo onde o mundo acaba todos os dias. Marcelino insere uma viagem à lua perfeitamente dispensável. A realidade concreta de um homem habituado à luta diária pela sobrevivência  sequer cogita viagens espaciais.

6- Xico Sá – São Paulo – 31 de julho de 2013

Crônica cotidiana, reclamações e constatações. Fim do mundo aguardado com festividade e desdém num botequim.

7- Menalton Braff – Terra, 30 de junho de 2013

Distopia revela um planeta completamente esgotado. Humanidade regride às suas condições mais primitivas. Especulação inverossímil. Muito pouco tempo para que tal magnitude de degradação nos atingisse.

8- Luis Dill – Londres – 31 de julho de 2013

Droga psicotrópica nova demonstra poder muito acima das expectativas. Viagem no tempo e o fim do mundo explicado de maneira muito convincente.

9- Marne Lucio Guedes – Mundo – 31 de julho de 2013

Conto intenso. Homem liberto da fé a que se entregou avidamente ao tomar conhecimento do fim do mundo mergulha no vício e na degradação. Texto forte e muito bem trabalhado.

10 – Moacyr Godoy Moreira – São Paulo – 31 de julho de 2013

Criminoso em penitenciária se penitencia ao irmão pio. Alusão a êxodo humano em busca de novos planetas põe o conto em xeque. Inverossímil, embora pungente.

11 – Brontops Baruq – Metrópolis – 30 de julho de 2013

Já publicado num dos Portais. Conto cru, pragmático e pungente. Lamento ter sido alterado. Provavelmente uma exigência editorial que não esconde a sombra pútrida da censura, mesmo que razões internas tentem justificar.

12- Claudio Brites – Cidade desconhecida – 3 de agosto de 2013

Conto narrando um final de mundo que me faz lembrar vagamente de Blecaute de Marcelo Rubens Paiva e Escuridão de André Carneiro. Junte alguns gigantes e voilá! Uma narrativa enlouquecida do último homem (zumbi?) sobre a terra.

13 – Luiz Bras – São Paulo – 31 de julho de 2013

Homem do futuro envia carta a homem do passado. Pequeno detalhe: trata-se do mesmo homem. Fim do mundo prenuncia revolta de cupins, baratas e (trecho ilegível). Construa uma (trecho ilegível) ou morra dolorosamente.

14 – Fausto Fawcett – 31 de julho de 2013

Firma promotora de apocalipses mata o leitor desavisado com verborragia intensa e coordenada e deixa o senhor Armageddon em maus lençóis. Os pólos magnéticos continuam numa boa, os ventos solares também, mas acho que precisarei passar uma temporada numa câmara hiperbárica.

SpaceBlooks, ciclo de bate-papo sobre ficção científica

03/05/2010

Em meio a ciclos de debates, conferências e palestras, a Blooks Livraria apresenta SpaceBlooks: ciclo de bate-papo sobre ficção científica. Autores e leitores reunidos diante da produção carioca de FC e seu espaço conquistado em meio a um mercado editorial que não pode mais ignorá-la. SpaceBlooks são encontros informais e, por isso mesmo, muito francos, onde colocaremos temas como viagens no tempo, colonização de outros mundos e criaturas pan-dimensionais na frente da prateleira.

Spaceblooks acontecerá em maio na Blooks mesmo (Praia de Botafogo, 316, ali no Cinema Arteplex) e contará com a presença de gente que produz, escreve e gosta de conversar sobre o tema. Confira a agenda e os convidados mais que especiais:

  • Dia 6 de maio, 19h | Cinema e Ficção Científica: o escritor e roteirista Bráulio Tavares, o animadorCésar Coelho, o jornalista do Globo Rodrigo Fonseca e o jornalista Eduardo Souza Lima, o Zé José.
  • Dia 13 de maio, 19h |Ficção científica na Internet: Os escritores Fábio FernandesAna Cristina Rodrigues Saint-Clair Stockler expõem seus sucessos e vitórias nesse território de bravos.
  • Dia 20 de maio, 19h |Steampunk:  o escritor e editor Gérson Lodi-Ribeiro, o ilustrador Alexandre Lancaster e o multimidiático Fausto Fawcett falam sobre suas visões de passado na última mesa da noite.

A curadoria do evento é do escritor Octávio AragãoToinho Castro, este que vos fala.  Então o convite está feito e contamos com a presença de leitores e escritores de ficção científica, ou gêneros afins, além de pessoas interessadas em literatura em geral. Curiosos são bem-vindos, e também os clientes da Blooks Livraria que por acaso estejam ali na hora dos encontros.

Repeti, aí em cima, a divulgação original da Blooks Livraria de 13 de abril desse ano. Fiquei sabendo só hoje sobre esses eventos. Sinal que ando mal informado…rs… de qualquer forma parecem ser programas imperdíveis, pelos assuntos e pelos convidados que são experts.

Quem for do Rio, aproveite. Não são eventos que se perdem de bobeira.

De Bar em Bar entrevista Braulio Tavares.

08/04/2010

Programara exatamente isso. Ou quase isso. Uma rua, uma cidade, multidão. Carros, semáforos, sinais de trânsito. Mas havia alguma coisa errada, muito errada. Apalpei o relógio quântico, surpreso por estar num cenário bastante próximo do que planejara. Não queria mais matas nem desertos. Nem monstros nem alienígenas. Não dessa vez. Eu queria uma cidade e estava em uma. Queria agitação, movimento, caos urbano… Estava tudo ali.

Mas… O céu estava cinza. As pessoas vestiam-se com calças, camisas, vestidos, sobretudos, todos cinza. Os semblantes eram acinzentados. Expressões tristes, desenxabidas, olhares esmaecidos. Passavam por mim, num vai e vêm, molengos, ombros caídos, costas curvadas. Os carros, todos alternando escalas de cor que iam do preto ao cinza claro. Circulavam lentamente, obedecendo ao fluxo. Os semáforos exibiam três cores distintas: cinza escuro, cinza claro e cinza mais claro ainda.

Então me observei melhor. Vestia-me do mesmo jeito. Calça e camiseta cinza. Tênis cinza. Meias cinza. A pele, A pele! Era levemente acinzentada. Arregalei os olhos, assustado. Observei o relógio quântico. A pulseira era cinza. A caixa era cinza. Os mostradores, cinza.

Então fiquei triste. Tão triste e de forma tão incontida que curvei os ombros, abaixei o olhar e caminhei molengo, até parar diante do bar. Um trailer largo e espaçoso. Todo pintado de cinza, com um luminoso desligado, mas com letras cinza grandes, destacadas: Bar do Mané.

Soltei um sorriso triste. Estava satisfeito, mas era uma satisfação macambúzia. Entrei, olhei em busca do Braulio, mas ainda não estava lá. Escolhi um lugar, sentei-me próximo da janela, observando tristemente o movimento da rua.

Um garçom com grandes barbelas sob os olhos se aproximou. Pedi uma cerveja, mas a vontade era de tomar sicuta. Nunca me senti tão mal, tão deprimido e atormentado. Ele se afastou, arrastando os pés.

Encostei a testa na mesa. Senti pequenas lágrimas assomarem. Mas as contive. Não sem grande esforço. Fiquei assim até o garçom me trazer a cerveja e até escutar mais alguém se aproximar e se sentar diante de mim. Ergui a cabeça o suficiente para reconhecê-lo.

— Oi, Braulio.

— Oi – ele me respondeu, melancólico. Olhar igualmente triste. Expressão derrotada.

— Fico feliz em vê-lo – eu disse, sem, contudo, expressar uma só gota de felicidade.

— Também estou feliz por essa entrevista – nem o mais crédulo dos crédulos acreditaria nisso. A tristeza estava tão estampada em seu rosto que nem a máscara da morte seria mais perturbadora.

— Essa cidade é… Tão… Tão…

— Contagiante.

— Sim. Estranha e contagiante.

— Estava nos planos? – Braulio parecia perplexo.

— Claro que não. Seria normal se estivesse? – voltei a apoiar a cabeça sobre a mesa. Soltei um suspiro longo e angustiado.

— Esse líquido cinza é…

— Cerveja, creio. Não experimentei, ainda. Peça um para você.

— Obrigado. Acho melhor, não. Não sei que estranho efeito o álcool poderia me provocar num cenário deprimente como esse.

— Você é, hoje, uma referência nacional em ficção especulativa. Antes de lançar Espinha Dorsal da Memória, qual era sua relação com o gênero e com o fandom? – perguntei, erguendo o rosto com esforço.

Braulio se manteve quieto por longos momentos, olhando para mim com tanta tristeza que quase me pus a chorar copiosamente. Seu rosto exprimia um desalento enorme.

— Suponho que seja a primeira pergunta – questionou ele, enfim.

— Sim – respondi em meio a soluços.

— Leio FC desde garoto e muitas vezes tive a sensação de que era a única pessoa que gostava daquilo.  Tive meia dúzia de amigos que compartilharam esse gosto antes que, por volta de 1986, eu conhecesse o pessoal do CLFC através de Roberto Nascimento.  Somente então comecei a escrever contos de FC a sério, mas nesse tempo eu já era um autor publicado. Tinha lançado vários livros de poesia, e publicado muitos contos – fantásticos ou mainstream – em revistas e suplementos literários. E já tinha publicado, em forma de cordel, um dos meus livros mais bem sucedidos comercialmente até hoje, A Pedra do Meio Dia ou Artur e Isadora, que é de 1979.

Braulio parou por alguns instantes para esfregar os olhos, recolhendo uma leve umidade que ia se insinuando. Engoliu em seco algumas vezes, franziu o cenho, respirou fundo e continuou.

— O CLFC me deu o que eu sempre precisei: alguém com quem conversar sobre a FC, trocar idéias, trocar livros, indicar autores, pescar informações.  Sem minha filiação ao CLFC e sem a chance de publicar no Somnium eu não teria escrito os contos da Espinha Dorsal da Memória, que ainda considero juntamente com Mundo Fantasmo, que é uma espécie de expansão dele, meu melhor livro.

Parou de novo, enfiou uma das mãos no bolso em busca de um lenço. Tirou de lá uma cambraia. Junto veio um pedaço de papel.

— Por outro lado, nunca tive o propósito de me especializar em FC, de “ser um escritor de FC e ponto final”.  Ainda hoje, por exemplo, lamento muito nunca ter escrito contos policiais, tarefa para a qual me acho igualmente bem preparado.  Tenho vontade de – e idéias para – escrever muitos livros mainstream, além de poesia, teatro, terror…  Não quero me prender a um tipo de literatura, por mais que goste dele.

Passou o lenço nos olhos marejados, assoou o nariz. Seu olhar buscou o exterior. As ruas movimentadas, sombras de gente se movendo nas calçadas. Suas mãos entrelaçaram-se e apertaram-se de tal forma que os nós dos dedos embranqueceram. Ergueu a cabeça um pouquinho tentando demonstrar controle de si mesmo, mas logo a tombou, vencido pela prostração.

— Mantém-se acalorada uma discussão sobre literatura realista e literatura de gênero; onde cada uma pode beber na fonte da outra. Qual é a sua visão sobre a questão?

Braulio largou o lenço sobre a mesa. Pegou o pedaço de papel que saíra junto com ele quando o tirou do bolso, tomando-o nas mãos. Pigarreou duas vezes, o abriu ligeiramente, leu o que continha, e voltou a fechá-lo.

— Eu vejo a literatura como uma coisa multiforme.  Para mim é como a música.  Eu ouço samba, rock, forró, blues, música clássica, jazz… – ó Deus, haverá música nessa terra de miseráveis? – Não direi que gosto de qualquer estilo ou de qualquer artista – sou até meio exigente –, mas gosto de ouvir coisas muito diferentes entre si, ver as possibilidades infinitas de combinar notas, timbres, ritmos, harmonias, vozes, letras…  Isso me deleita; ser capaz de perceber a grandeza artística de Miles Davis e de Adoniran Barbosa, a de Tom Waits e de Chopin.  Todos diferentes e todos geniais.

— Músicas fúnebres, talvez – respondi à sua inquietação.

— Essas pessoas estão vivas… Mas também estão mortas. Logo também morreremos se continuarmos aqui.

— Literatura é a mesma coisa – continuou – Graciliano Ramos é tão grande quanto Harlan Ellison, que é tão grande quanto Borges, que é tão grande quanto Clarice Lispector ou Conan Doyle.  Opor o realismo à FC é como opor o jazz aos Beatles.  Para mim, não faz sentido.  Não se excluem, se completam mutuamente. Eu vejo que muitos leitores veem a literatura como uma espécie de política onde você é “partidário” de “A” e consequentemente deve ser adversário de “B” e “C”.  Eu não vejo isso.  Minha visão de literatura é como um conjunto de experiências estéticas, e não como uma arena de disputas políticas ou de mercado.

Rendi-me ao copo. Bebi um gole tímido, experimentando o líquido cinza.

— Cerveja, mesmo – tartamudeei constrangido.

Braulio observou o copo como quem tem um espécime raro diante de si. Depois voltou a abrir o papelote que segurava. Observou-o mais um pouco.

— Será que existe poesia nessa terra de desvalidos? – perguntou, olhando ao redor com visível abatimento.

— Você acha que ainda temos muito que aprender com autores anglo-saxões, ou o Brasil já caminha com pernas próprias?

— Temos a aprender com todo mundo, e o que talvez seja um defeito nosso – meu, inclusive – é que só bebemos das fontes anglo-saxãs.  Eu leio pouquíssima FC francesa, creio que nunca li FC italiana ou espanhola, li uma dúzia de livros de FC russa, não tenho idéia do que é a FC holandesa, alemã, tcheca, indiana…  Alguém pode dizer que esses países não têm nada de muito bom para oferecer e se tivessem já saberíamos, mas então o mesmo se aplica ao Brasil.

— Amo-te tanto, meu amor… não cante
O humano coração com mais verdade…
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Ouvi o verso, proferido ao fim de sua resposta. Surpreendi-me com ele. Braulio leu a primeira estrofe e se calou. O semblante fechado numa argamassa de concreto. Mas foi possível ver um pequeno lampejo de luz que escapou de seus olhos embaciados.

— E ainda assim – continuou ele, tentando vencer a prostração – de vez em quando surge um nome isolado nessas literaturas não-anglo-saxãs, como surgiu Stanislaw Lem na Polônia, os irmãos Strugatsky na URSS e agora Zoran Zivkovic da Croácia.  Talvez se déssemos mais atenção a esses autores ficássemos mais perto de descobrir a linguagem de uma FC brasileira, porque veríamos uma porção de elementos que são estranhos à FC americana-britânica, elementos que podemos considerar contribuições próprias daqueles povos.

— Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

O garçom olhou para nós. Dois frequentadores, também. Pareciam preocupados. Levei um susto quando vi o copo de cerveja exibindo uma coloração dourada. Meus lábios se crisparam num sorriso doloroso e assustado.

— Por outro lado, a criação de um caminho brasileiro só pode se dar, obrigatoriamente, no momento da escrita, e não da leitura.  Eu hoje já li muitíssimo mais FC do que tinha lido em 1988 quando escrevi A Espinha Dorsal da Memória, mas não acho que hoje estou mais bem preparado do que então.  Respondendo mais objetivamente a pergunta: temos que aprender com todos os países, mas só teremos o que ensinar a eles se a FC e a literatura brasileira mainstream forem vasos comunicantes.

— Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

O garçom levou ambas as mãos à cabeça. Seu olhar estava aterrorizado. Um dos frequentadores saltou da banqueta em que estava sentado e se dirigiu para a rua, como se estivesse em fuga. As cores iam se alastrando lentamente a partir do copo de cerveja, tingindo a mesa. Olhamo-nos aturdidos. Mas em nossos olhares se revelou a verdade. Arrebatado por uma espécie de loucura, Braulio ergueu ambas as mãos espalmadas ao alto, e riu. Voltou a poetar:

— De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Os versos iam sendo despejados. As cores se alargavam cada vez mais. O garçom gesticulava, indicando-nos que aquele tipo de manifestação era terminantemente proibido, tentava a todo custo conter a fúria poética de Braulio, mas ninguém, aparentemente, teria poder para isso naquele momento.

Foi quando ouvimos o que parecia ser um bater de início ritmado, mas que logo se tornou caótico. Olhamos para fora e vimos a cidade mergulhar numa espécie de frenesi de insanidade. As pessoas corriam de um lado ao outro, contorciam-se em desespero. O trânsito mergulhou num caos de batidas, de buzinaços, de estertores. O garçom largou tudo e disparou para a rua. Braulio se aquietou, perplexo e assustado. Olhávamos o exterior através da janela, rodeados por cores vivas. Mesas, cadeiras, balcão. Geladeiras, caixa registradora, estufas. Tudo colorido. O luminoso piscava suas lâmpadas multicores anunciando para a cidade o Bar do Mané.

Vimos também pernas de pau. Muitas. Encimando-as, figuras surpreendentes. Eram palhaços. Dezenas deles. Centenas. Talvez milhares. Vinham de todos os lados, de todos os lugares. As pernas de pau tão altas que vergavam a cada passada. Suas faces pintadas exibiam não a máscara da alegria, mas carrancas malignas. Expressões de profundo ódio e olhares raivosos. Roupas bufantes cujas cores vivas e contrastadas com as da cidade não tinham como nos enganar. Não eram mesmo mensageiros de felicidade. Avançavam como guardiões da tristeza, soldados do terror.

Eu apertava o botão do relógio, mas sabia que havia ainda uma pergunta. E ela precisava ser feita. Lançamo-nos para fora do bar. Foi como dar de cara dentro de um bambuzal. Vimos pessoas transpassadas pelas varas, crianças abandonadas, chorando. Mães ignorando a dor dos filhos, se refugiando nos cantos, se encolhendo apavoradas. Homens desesperados, implorando clemência enquanto eram atingidos, feridos, mortos pelas varas que iam surgindo numa onda avassaladora.

— Noto em certos círculos um desdém com o que foi escrito em nosso passado – passado muitas vezes bastante imediato – ignorando o trabalho de autores que foram nossos predecessores. Você concorda que o que passou, passou e o que vale é o agora e o amanhã?

Minha pergunta por pouco não se perdeu na azáfama. Braulio agitava o pedaço de papel no ar, expressão insana, provocando os palhaços que nos cercavam batendo as pernas de pau no chão, rilhando os dentes e murmurando um zum-zum-zum assustador. Corremos para trás de um caminhão cinza, acotovelando-nos com uma pequena multidão que se espremia ali.

— Vivemos um momento cultural, no mundo inteiro, que eu definiria como A Onipresença do Presente.  O momento presente está sufocando nossa capacidade de pensar o passado e de pensar o futuro, porque a quantidade de informação sobre a hora presente, o dia presente, a semana presente, etc., é aterradora…

Ele ia respondendo na mesma medida em que íamos sendo expulsos do agrupamento. Não nos queriam ali. Temiam-nos, nos odiavam.

—… Redes sociais como Facebook, Twitter, etc., não são mais do que a exacerbação desse processo.  É possível passar uma hora inteira apenas lendo o que aconteceu no mundo durante os últimos 60 minutos.  Quando se acha que isso é a coisa mais importante, como ter interesse em ler um livro de 10 anos atrás, de 20, de 50, de 100 anos atrás?

Excluídos do esconderijo que, afinal, nem era tão bom assim. Corremos pela rua, driblando o caos e evitando as pernas de pau que tentavam nos cercar, diminuindo nossos espaços.

— Atualidade de informação está virando sinônimo de qualidade de informação – gritou Braulio tentando se fazer ouvir em meio ao alarido geral e ao bater de paus –,  pior que isso: está virando a definição oficial de qualidade.  Informação boa é informação presente. Devido a isto, estamos perdendo a visão diacrônica (de enxergar os fatos num eixo histórico, num antes-e-depois que se estende no Tempo, ao longo de anos ou séculos) e sendo capazes apenas de ter uma visão sincrônica, de enxergar o que está acontecendo aqui-e-agora num presente que, dependendo das circunstâncias, pode ser contraído em minutos ou expandido em meses, mas continua a ser “o Presente”, o momento do tempo em que acontecem as coisas realmente importantes.  É para isto que estamos caminhando.

Contornamos uma montanha de escombros formados por veículos virados, pessoas feridas e estendidas no chão, gementes e agonizantes. Viramos à esquerda numa rua e demos de cara com uma infinidade de paus que vinham. Atrás de nós outra onda se aproximava. Estávamos, afinal, cercados.

Braulio voltou a agitar o papelote e bradou ameaças antes de voltar a poetar as estrofes certamente decoradas.

— Sou Paul Bunyan e vou arrancar essa floresta de varapaus da cidade, devolvendo a ela a alegria de viver!

— Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

Cercados. Enrodilhados. Lentamente esmagados.

— E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

A voz já quase sumida, sufocada pelas grades.

— Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Então um torvelinho de força irresistível ergueu palhaços com suas pernas de pau. Ergueu cidadãos e carros e latas de lixo e placas e jornais e crianças e cachorros. Ergueu a cidade, arrancando-a de suas fundações. O mundo todo de ponta cabeça. Ergueu a nós, lançando-nos ao ar, rodopiando. Mas não pela ameaça de um gigantesco machado a varrer o emaranhado de paus. Nem pela aparição – que não houve – de um boi azul furioso.

A poesia manejava um milagre.

As cores explodiram primeiro num clarão súbito, manchando céu e terra com tonalidades bizarras. Logo se estabilizaram, mesclando-se de tal forma que todas as nuances que se formaram cobriam as coisas, dando-lhes a cor que deveriam ter.

Braulio ainda agitava o papelote, estrebuchando de tanto rir. Agarrava-se ora em uma, ora em outra perna de pau, puxando-as todas, a espevitar os palhaços, cujas carrancas haviam se dissolvido e revelado olhares de pânico e incompreensão.

Assustado com o andar das coisas e certo de que tudo que vai ao ar logo volta a terra, apertei o botão.

Obras. Entrevista sendo construída.

17/11/2009

Ou faço uma coisa ou faço outra. Duas ao mesmo tempo, não dá! Assim, pelo menos hoje meu Blog não terá atualização. Estou trabalhando arduamente na entrevista que inaugura o De Bar em Bar. Se não for meticuloso, posso colocar o entrevistado em maus lençóis.

Divirtam-se em outros blogs. Vão no do Eric Novello ler a história do pombo finalmente atropelado. Vão no do Xerxenesky ler sobre um velho amigo dele. Vão no do Braulio Tavares ler vários artigos interessantíssimos. Vão no do Saint-Clair assistir ao divertidíssimo vídeo sobre 10 coisas a não se fazer num culto religioso. Vão para onde quiserem.

Mas voltem amanhã.

Porque amanhã a gente se fala melhor.

É hoje! Bate papo sobre a antologia Rumo à fantasia.

05/11/2009

Capa Rumo à Fantasia

Impulsionado pelos sucessos de autores como J. K. Rowling e J. R. R. Tolkien, a fantasia é um gênero que vem crescendo espetacularmente no Brasil. Muito além dos clichês, a fantasia tem múltiplas faces e enfoques. Para promover a consciência essa multiplicidade, a Devir lançou a antologia Rumo à Fantasia, livro que cruza épocas e espaços geográficos distintos, tanto nas origens dos personagens quanto dos autores. Neste bate-papo que a Biblioteca Viriato Corrêa e a Devir realizam no dia 6 de novembro, alguns dos autores brasileiros presentes no livro discutem suas histórias e as múltiplas faces do gênero: Cesar Silva, Braulio Tavares e Roberto de Sousa Causo (o organizador da antologia). O bate-papo também contará com a presença do ilustrador da capa, Vagner Vargas.

Cesar Silva é um dos editores do Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica, há cinco anos a principal fonte de análise e informação sobre ficção científica, fantasia e horror no Brasil.

Considerado um dos principais autores brasileiros de ficção científica e fantasia, Braulio Tavares venceu o concurso Caminho Ficção Científica em 1989 com o livro de contos A Espinha Dorsal da Memória, e acaba de ganhar o Prêmio Jabuti de Melhor Livro Infantil com A Invenção do Mundo pelo Deus-Curumim. Também roteirista da Rede Globo, trabalhou na adaptação de A Pedra do Reino, de Ariano Suassuna.

Um vencedor dos concursos Prêmio Jerônimo Monteiro (1991), III Festival Universitário de Literatura (2000) e do 11.º Projeto Nascente (2001), da Universidade de São Paulo, com as novelas Terra Verde e O Par, Roberto de Sousa Causo também organizou para a Devir a antologia Os Melhores Contos Brasileiros de Ficção Científica (2008).

Vagner Vargas é um dos principais praticantes da arte de ficção científica e fantasia no Brasil, tendo feito capas para as coleções Star Trek e Zenith (Editora Aleph), e Pulsar e Quymera (Editora Devir). Foi o Ilustrador Convidado de Honra da V InteriorCon, uma convenção de ficção científica, em 1997.

Dia 5 de novembro na Biblioteca Viriato Corrêa, em São Paulo, às 19h00. A Biblioteca Viriato Correa fica na Rua Sena Madureira, 298, Vila Mariana, São Paulo (F.: 11-5573-4017) .

Os autores da antologia: Ambrose Bierce, Jean-Louis Trudel, Braulio Tavares, Daniel Fresnot, Eça de Queiroz, Rosana Rios, Gian Danton, Orson Scott Card, Bruce Sterling, Anna Creusa Zacharias, Cesar Silva, Roberto de Sousa Causo e Ursula K. Le Guin.

E eu estarei lá.

Critérios de qualidade nada personalíssimos

20/08/2009

Meus comentários têm atraído não só elogios em relação à minha posição independente e ao caráter crítico idôneo, mas também reclamações que contraditam minhas opiniões, baseando-se essas em elementos iguais aos que me baseio para fazê-los. Ou seja, bastante subjetivos no que tange à avaliação do conteúdo intrínseco de uma obra (ou de um comentário).

Quero que saibam que quando digo ser este ou aquele conto muito (ou pouco) ruim, me sustento primeiramente na qualidade narrativa. Não adianta nada um conto (ou noveleta, novela, romance) ter uma história boa, original e criativa se a estrutura que contém essa mesma história é deficiente, se o controle narrativo é tosco.

Muito comum tropeçar na leitura de trabalhos que desrespeitam técnicas narrativas básicas. Que dirá aqueles que se enovelam em parágrafos quase ilegíveis, eivados de erros ortográficos e gramaticais. Eu, pessoalmente, não consigo ler desse jeito. E se o faço, é com extrema má vontade, efeito nocivo para a avaliação final do trabalho.

É claro e evidente que grande parte dos autores não faz passar seus trabalhos por leitores beta exigentes. E alguns dos que o fazem parecem ignorar os conselhos, como se estivessem acima do bem e do mal na crítica literária. Ninguém está isento de errar. Mas publicar trabalhos com esses erros, virtual ou fisicamente, é um erro que pode ser mortal para um escritor iniciante.

Sei que, de modo geral, literatura de gênero ignora a forma. O enredo acima de tudo. Mas para mim não funciona assim. Admiro textos bem escritos e, acreditem, um conto ruim muito bem escrito sempre deixa uma impressão positiva no avaliador. Um conto bom, mal escrito, só agrada àqueles para quem estrutura, construção e fluidez nada significam. E esses, infelizmente, não abrem portas no mercado editorial.

Existem também os experimentalistas para quem a forma suplanta totalmente o conteúdo. Mas se falamos em literatura de gênero, voltado a um público leitor específico, que procura, sobretudo, entretenimento, esses experimentalismos de nada servem a não ser para monólogos entediantes.

Aprimorem a narrativa. Entreguem seus textos para leitores com senso crítico elevado. Ouçam o que eles dizem. Melhorem sempre, porque sempre há o que melhorar. Leiam e releiam exaustivamente o que escreveram. E tentem, por fim, fugir do lugar comum. Nele já há muitos se acotovelando.


Pedro Moreno

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