A Fantasia brasileira vai bem, obrigado. Mas e a FC, como está?

Capas Livros FC e Fantasia

A discussão FC x Fantasia não é nova, mas é sempre produtiva. O que vemos hoje no Brasil é uma quantidade de publicações de livros de Fantasia que ultrapassa a de Ficção Científica em muito (10 para 4, segundo estatísticas que me foram fornecidas por Cesar Silva, editor do Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica).

Mas, onde está a questão?

Parece-nos bastante óbvio que seja assim. Afinal, obras de Fantasia são mais assimiláveis. Não obrigam o leitor a acompanhar — via de regra — longas e exaustivas explicações científicas, nem a ter conhecimento — mesmo que básico — de nada que se aproxime de tecnologia e ciência. Leis simples como as da gravidade são comumente desafiadas e vencidas. Nossos autores fazem com que todos os grandes obstáculos sejam suplantados com abracadabras, com pitadas de pó de pirlinpinpin, efeitos sobrenaturais inexplicáveis ou poções e encantamentos diversos. Gestos grandiloquentes fazem surgir tempestades, piscar de olhos movem montanhas.

Vilões e mocinhos se enfrentam numa tempestade coruscante de efeitos especiais, transformam e transmutam com uma sem-cerimônia tão banal quanto encantadora. E os personagens secundários, humanóides ou não, sucumbem diante de tantos poderes, arrasados, fragmentados, pulverizados.

Não temos no Brasil autores como Susanna Clarke, Ursula K. Le Guin, Fritz Leiber ou Patrick Rothfuss. Boa parte de nossos esforçados autores de Fantasia estão muito mais para J.K. Rowlings recauchutadas ou J.R.R. Tolkiens de calças curtas, exceção feita a poucos e talentosos autores que conseguiram fugir do lugar comum e desenvolver universos próprios. Infestam as imitações mal feitas, as poucas tentativas pífias de encontrar um estilo próprio, um cenário divergente e original (porque é muito mais fácil copiar o que já está consagrado).

Não há ciência nas histórias de fantasia (deixo de lado a fantasia científica, mas mesmo ela dialoga pouco com a verossimilhança). Há apenas uma imaginação profusa que não explica, apenas apresenta mirabolâncias.

A Fantasia traz à tona o nosso lado lúdico, nos faz retornar à infância, aos sonhos, às nossas íntimas fantasias pueris, quando nos imaginávamos repletos de poder. Nossa visão do mundo era mágica, o mundo nos parecia mágico. A FC é o contraponto a essa visão. Ela nos obriga a fincar os pés no chão, nos mostra que o mundo é físico e obedece a leis imutáveis. A FC nos rouba muito de nosso senso lúdico, nos esfrega a cara no chão. Obriga-nos a “despertar” para a realidade e para todas as responsabilidades decorrentes disso.

Será essa a razão porque a nossa literatura de Fantasia leva grande vantagem em relação à FC? Ou é mesmo porque não temos uma cultura tecnológica, de grandes descobertas e viagens espaciais?

Afinal é essa a explicação recorrente. Somos um país sem cultura científica. Nunca fizemos grandes descobertas, nossos melhores foguetes são os da Caramuru, nossos cientistas, os melhores, vão embora do país em busca de melhores condições de trabalho e em busca de reconhecimento.

Então, por que, afinal, histórias de Ficção Científica deveriam ser populares, não é mesmo?

Se formos falar de outras mídias, veremos que a FC vai muito bem nos HQs, nos games, no cinema e na TV. Filmes e séries desse gênero bombam e alcançam bilheterias expressivas e telespectadores apaixonados. São vários os lançamentos (inclusive brasileiros) disputando espaço nas salas de exibição.

Mas em quê a literatura de FC ganha com isso? Como nossos autores são beneficiados com o boom da FC nas outras mídias? A FC continua não sendo lida. Continua não sendo prestigiada, continua sofrendo o preconceito das casas editoriais (e de muitos leitores que a consideram um gênero “chato”) que parecem esperar que um de nossos autores (sem patrocínio, nem apoio de nenhuma editora significativa) consiga vencer as dificuldades de mercado e explodir em vendas (melhor ainda se tiver o livro transformado em filme).

Só esse chamado “boi de piranha” conseguiria superar o “dar de ombros” das principais casas editoriais e, enfim, fazer a FC brasileira ser vista com olhos mais condescendentes (porque a FC estrangeira é normalmente publicada aqui com rótulos diferentes que tentam disfarçá-la)?

Difícil crer que não haja público para uma boa e dinâmica história de FC. Ou que não existam leitores inteligentes que não se entusiasmem com histórias elaboradas, personagens com múltiplas camadas, cenários ricos, boas ambientações, argumentos convincentes e soluções criativas e verossímeis (Nem toda FC produzida aqui é assim tão complexa, mas não podemos esquecer que, qualitativamente, a literatura de FC brasileira é, no geral, muito mais bem trabalhada que a de Fantasia).

Ou crer que todos os leitores de FC estejam comodamente assentados dentro do nicho, incorporados ao fandom. Porque se for assim, é de se compreender a atitude das grandes editoras. Investir num gênero que não consegue reunir mais que uns poucos milhares de leitores (dos quais muitos sequer conhecem o que se produz contemporaneamente) é jogar tempo e dinheiro fora.

A Fantasia não precisa de apresentações prévias. Não precisa vencer o preconceito de editores. Há muita Fantasia sendo publicada, grande parte de qualidade duvidosa.

Sem contar que é notório que qualidade e apelo comercial não são correlatos. As editoras são casas comerciais e são as vendas (as boas, de preferência) que pagam as suas contas. Entre escolher um romance de Fantasia manco e com chulé, mas com apelo comercial palpável, e um romance de FC de boa qualidade, elas vão escolher o primeiro. Por que deveriam investir num gênero, construir paulatinamente um mercado, se o custo/benefício é incerto?

Casos como o de Luiz Brás que publicou Sozinho no deserto extremo pela Editora Prumo são exemplos que parecem apenas servir para confirmar a regra.

Assim, a FC fica relegada às pequenas editoras que trabalham com edições limitadas e publicam quase que especificamente para o nicho. Um possível manancial de leitores extra-fandom permanece inatingível, inalcançável. Porque esses vários milhares de leitores que adquirem Asimov, Clarke, Bradbury (e outros nomes estrangeiros que se escondem na chamada ficção especulativa), também podem adquirir Gersons-Lodis, Causos e Carlos Orsis.

Existe dificuldade nisso? Claro. Mas mercados existem para serem descobertos, desbravados. Não só por quem escreve (que esses não têm poder para erguer mercados) e, sim, pelas editoras que, se não têm nenhuma obrigação em formar leitores, também não deveriam se escudar inteiramente disso.

Afinal, assim como nas melhores obras brasileiras de Fantasia, existem trabalhos de Ficção Científica com bom potencial de vendas e com argumentos que cairiam muito bem em filmes. Nem é preciso garimpar muito. Basta abrir os olhos, não dar mais de ombros, atentar para a pilha de originais e conceder à FC brasileira um voto de confiança.

Pelo menos isso.

***

Links interessante cedido por Cesar Silva:

• Listagem de todas as publicações de literatura fantástica feitas em 2011 no Brasil para download:

Você quer o anuário?

• Anuários Brasileiros de Literatura Fantástica para aquisição (anos de 2009 e 2010, 2011 está esgotado até o momento):
http://loja.devir.com.br/catalogsearch/result/?q=anuario+brasileiro+de+literatura+fantastica

Tags: , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , ,

18 Respostas to “A Fantasia brasileira vai bem, obrigado. Mas e a FC, como está?”

  1. Cesar Silva Says:

    Parabéns pelo texto, Tibor. É sempre bom, lembrar da fc. Mas acho que a problemática do gênero no mercado tem mais componentes que apenas o desconhecimento e o preconceito.
    É bom lembrar que até bem pouco tempo, praticamente não se publicava fantasia no Brasil. Até os anos 1980, a fantasia era o patinho feio da literatura fantástica, tolerada apenas quando executada por grandes escritores, como José J. Veiga, por exemplo, mas desprezada como um gênero em si. Muitos diziam, e ainda dizem, que Veiga não fazia fantasia, mas realismo fantástico, como se houvesse aí uma enorme diferença.
    Quando era criança, li muito mais fc do que fantasia, porque era o que havia para se ler. O gênero era muito publicado, dominava o mercado, com muitas coleções e grandes tiragens, nas livrarias e nas bancas. Tanto é que, na Biblioteconomia, há uma classificação específica para fc, o que não existe para fantasia e horror.
    Ainda hoje vejo a fc como um gênero bastante adequado para os jovens, com um talento natural para discutir coisas complicadas de uma forma acessível, mas também capaz, quando devidamente articulado, de oferecer tramas complexas de profundidades abissais que só leitores experientes conseguem explorar completamente.
    Em algum momento dos anos 1990, o jogo virou. Primeiro por causa do sucesso avassalador das séries de cinema O senhor dos anéis e Harry Potter, que demonstrou aos editores o potencial financeiro da fantasia. É bom que se diga que até então, O senhor dos anéis era leitura apenas de universitários jogadores de RPG, e sua única e esgotada edição brasileira era amadora e, dizem alguns, irregular.
    Lembro-me de uma conversa com a editora Márcia Kupstas, da Moderna, que ao longo dos anos 1990 editou uma coleção Sete Faces, com antologias infantojuvenis de fc&f. Ao ver que os livros de terror da coleção estavam na 14ª edição ou mais, e os de fc na 3ª ou menos, perguntei o motivo, e ela disse que fc simplesmente não vendia.
    A fantasia logo foi seguida por uma avivamento dos romances históricos. De repente, tudo que dizia respeito ao passado ganhou relevo, enquanto que o que se referia ao futuro passou a ser rejeitado pelo leitor. Talvez tenha sido o fracasso do programa espacial americano somado a alta tecnologia aplica ao extermínio de populações em guerras cada vez mais absurdas, e a comprovada incapacidade da ciência em evitar tragédias das mais diversas, como furacões, terremotos e vulcões, sem falar no fiasco que é a tecnologia aplicada ao dia a dia, tão confiável quanto uma teresa feita de papel higiênico. Mesmo sendo fã de fc, nunca confiaria minha vida a uma espaçonave comandada por processadores Intel e softwares Microsoft.
    Ou seja, o futuro perdeu a graça e o brilho. O discurso cyberpunk passou a predominar a visão popular de futuro, com um cenário decadente, violento, sujo e miasmático. O passado, ah, o passado… ele parece hoje muito mais justo, limpo, seguro e venturoso.
    Tanto a primeira visão de um futuro mau quanto a de um passado bom são igualmente românticas e fantasiosas, mas é o que está na cabeça do leitor quando vai escolher sua próxima compra na livraria. E ela me parece bastante determinante.
    Por hora, ainda há muito gás na bolha da fantasia, mas a fc já esteve pior. Talvez um dia o jogo vire novamente. Ou não.

  2. Alvaro Guarani-Kaiowá Domingues Says:

    Sim, é verdade meu caro Tibor. E você, entre outros, faz parte do esforço em divulgar o gênero, ainda que como o passarinho da fábula do incêndio.

    Parabéns pelo texto.

  3. Jim Anotsu Says:

    A fantasia não vai tão bem assim. Eu realmente concordo que nossa ficção de gênero não é tão bem espalhada, mas isso é de ambos os lados da cerca. Consigo ver o seu ponto com o texto e tudo mais. Eu geralmente não costumo comentar ou responder textos, mas achei interessante debater o assunto.
    O que eu não concordei em seu texto foi a parte de: “Parece-nos bastante óbvio que seja assim. Afinal, obras de Fantasia são mais assimiláveis.” Não acho que esse seja o motivo. Por exemplo, podemos pegar as obras de John Crowley – Little,Big e a trilogia Ægypt. Eu desconheço muitos livros em qualquer gênero que sejam capazes de exibir a habilidade e complexidade de Crowley – e não acho sem motivo que Harold Bloom o tenha incluído em seu “O Cânone Ocidental”. Nem tudo se resolve com mágica e “pó de pirlinpipim” na fantasia. Os livros de Gormenghast de Mervyn Pyke são grandes obras de literatura – em todos os aspectos da palavra – e nos dizem mais sobre o mundo real e as pessoas do que, por exemplo, os livros de Isaac Asimov que eu já li. Ou Steerpike e Sepulcrave não convivem conosco todos os dias? E não acho que Pyke resolva os grandes obstáculos narrativos com um abracadabra. Ou por acaso podemos dizer que Susan Cooper escreveu escapismo puro, simples e barato em “The Dark is Rising”. A fantasia sempre abordou os grandes temas da humanidade, basta ler “Os Versos Satânicos”, “A Metamorfose” ou o trabalho de Borges. Não acho que reduzir o mundo da literatura de fantasia faça com que a ficção científica seja mais bem vista. É como a raposa desdenhando as uvas.
    “Não temos no Brasil autores como Susanna Clarke, Ursula K. Le Guin, Fritz Leiber ou Patrick Rothfuss.” Assim como não temos Arthur C. Clark, Harlan Ellison ou Robert A. Heinlein. E lembrando de que Earthsea e Kingslayer são grandes obras de fantasia. Mas podemos vir a ter. Pela primeira vez estão surgindo escritores com pensamentos e históricos diferentes. E se muitos autores de fantasia são Rowlings recauchutadas, muitos tentam ser Clarks e Asimovs recauchutados na sci-fi também – acho que aí reside um dos motivos da ficção científica não ir tão pra frente assim. Um dos assuntos desse tipo que já surgiram no refeitório da UFMG sobre isso é o fato de a ficção científica soar fria. Não é o fato de ser acessível, eu sempre compreendi os livros de sci-fi que eu li – e tenho um astrônomo na família que os coleciona e sempre me deixa a par do que acontece nesse mundo – sem muitos problemas, mas em nenhum deles eu encontrei algo que me tocasse tão profundamente quanto “O Retrato de Dorian Gray” ou “O Mestre e Margarida” de Bulgakov.
    E do mesmo jeito que fantasia de qualidade duvidosa é publicada… ficção científica de qualidade duvidosa é publica. Nenhum dos dois gêneros escapa de preconceito editorial no Brasil. O que acontece é que nos últimos anos a fantasia conseguiu ganhar visibilidade. E bem, The Hunger Games, um dos maiores sucessos literários dos últimos anos não é fantasia, assim como Young Bond, Embassytown e Little Brother.
    “Ou que não existam leitores inteligentes que não se entusiasmem com histórias elaboradas, personagens com múltiplas camadas, cenários ricos, boas ambientações, argumentos convincentes e soluções criativas e verossímeis”. Claro que existem leitores assim, mas talvez eu tenha entendido errado, mas esses mesmíssimos elementos podem ser encontrados tanto na fantasia quanto na sci-fi. Um gênero não é melhor do que o outro, o que existe são livros bons e ruins dentro de qualquer gênero. Isso se aplica aos livros mainstreans escritos por pessoas velhas que acham que tem alguma história interessante dentro delas, na ficção científica com naves e protótipos de Kirk e Muab Dib ou fantasias com elfos. Você diz que no geral a literatura de ficção científica é mais bem trabalhada que a de fantasia, já eu acho que os meus escritores favoritos nacionais são os de fantasia. E como um graduando da Letras, eu costumo ler em busca de prosa e personagens que me interessem. Os autores que mais me atraem hoje são Eric Novelo, Saint-Clair, Santiago Nazarian e o Jacques Barcia. Onde eu vejo textos realmente bem trabalhados e nos quais eu gosto de reler mesmo que trechos.
    O que eu senti no texto foi um pouco até de preconceito seu com a fantasia, sendo que o momento atual é aquele em que os dois deveriam trabalhar juntos e se fazer ouvir. E falar sobre fandom, bem, eu nem acho que fandom exista mais, eu acho que é uma coisa que morreu com o Orkut e a comunidade EDF – no sentido de pensar em fandom como existe lá fora. O que existe no Brasil em 2013 são pessoas espalhadas que tem o mesmo interesse, mas que seguindo a lógica facebook: Todo mundo junto, mas ainda assim cada um em seu quadrado. Não acho que todo mundo esteja reunido em uma comunidade ou grupo, pelo menos não como funcionava com o Orkut, acho que hoje um se liga com aquele indivíduo que mais lhe interessa vão seguindo suas vidas.
    A fantasia é mais popular que a sci-fi? Sim, eu acredito que sim, mas eu acho que os autores devem chegar aos seus leitores com um conjunto de tudo: Boa escrita, personagens e ideias. E a pergunta é: Existe a certeza de que a sci-fi em geral está oferecendo isso? Quando essa mesma discussão surge no meu grupo de amigos de faculdade e a gente se cansa dela e quer terminá-la, usamos um argumento definitivo de brincadeira que é: Shakespeare escreveu fantasia.

    PS: Um texto meu chamado “Defesa da Fantasia” que pode servir de complemento.

    • Tibor Moricz Says:

      “Parece-nos bastante óbvio que seja assim. Afinal, obras de Fantasia são mais assimiláveis”. Há de concordar que pelo menos 90% da fantasia produzida no mundo e 99% da produzida no Brasil são altamente assimiláveis. Trazer como referência algumas obras raras e de qualidade muito acima da média não descaracteriza meu argumento.
      Por outro lado quero deixar claro que todas as comparações feitas são entre a Fantasia e a FC produzidas exclusivamente no Brasil, como procurei deixar bem claro (não parece que eu tenha conseguido) no texto. 🙂

  4. Jim Anotsu Says:

    Oooops, meu link não foi. Meu texto “Defesa da Fantasia”: http://popdivision.blogspot.com.br/2012/11/defesa-da-fantasia.html#comment-form

  5. Zeugmar Says:

    Acho que a análise do Cesar faz sentido. Até o subgênero “steampunk” é uma forma de criar aventuras e interagir com povos exóticos sem a necessidade de sair do planeta.

    Seguem alguns outros palpites:

    A ciência tornou-se um campo tão vasto que é praticamente impossível um autor sozinho transitar com eficiência por seus campos. Pense na hipótese do celular que já havia sido sugerido muitos anos antes de sua disseminação geral e as histórias de FC tratavam o aparelhinho como apenas um telefone portátil.

    O futuro reflete sempre as expectativas presentes e, hoje em dia, fica muito difícil entender ou montar um quadro capaz de dar um sentido.

    Entretanto…

    O passado parece oferecer um sentido, mas é um sentido falso, uma vez que nós que já o ultrapassamos podemos ver com mais eficiência suas consequências. Enquanto eles estavam lá, vivendo o presente, o futuro sempre era imprevisível.

    As pessoas (o leitor-médio) não tem ideia de como funciona um celular ou um computador. Alguém pode afirmar que dentro dele existem duendezinhos verdes fazendo todo o trabalho. Neste sentido, o mundo altamente tecnológico de hoje possui características “mágicas” que parecem favorecer histórias fantásticas, nas quais tudo é possível.

  6. Simone Saueressig Says:

    Bom, já faz muito tempo que eu venho dizendo que uma das causas da FC ter perdido público é porque o leitor médio brasileiro (entre os quais me incluo), não sabe ciência suficiente para entender e se interessar realmente pelo que está lendo. O último grande (no sentido de importante) romance de FC que li foi “Neuromancer” e, francamente, tive de fazer um esforço muito grande para acompanhar. Simplesmente porque, apesar de usar o computador um bocado, sou totalmente leiga no assunto e até um tempo atrás, quando alguém me dizia que no seu endereço de e-mail tinha um “underline”, eu escrevia a palavra, porque não sabia o que era aquilo. Não que eu não soubesse que alguns endereços on-line tem _, mas porque eu não associava o nome ao símbolo.
    A outra causa que eu vejo de desinteresse da FC é que, normalmente, ela descreve um mundo do futuro. Acontece que o futuro já chegou e ele não parece tão diferente assim do passado (é claro que ele é, as pessoas é que continuam pessoas, mas vá explicar que isso é o que interessa…). Eu sou da geração que nasceu “com TV” mas “sem computador”, e portanto “sem celular”. Ainda lembro quando me deram meu primeiro computador para trabalhar no jornal, o emocionada que fiquei: era como ter nas mãos um pouco de tudo o que tinha lido e visto no cinema, nos livros ou nas HQ. Quando adquiri um som com leitor de CD, idem: imagine, aquela coisa lia os CDs com um feixe laser!!!! Demais! E quando, finalmente, comprei um celular, foi contra a vontade: eu não queria aquela coisa apitando na minha vida. Mas quando pude, investi em um touch. Adoro essa tecnologia, adoro tomar meu velho e tradicional chimarrão e ler o twitter, pela manhã, o face, o correio, mesmo que não haja nada de realmente novo ali: continua a corrupção, a violência, as tragédias. Temos uma estação espacial em órbita, mas ainda não temos ninguém morando na Lua – e o pior é que ninguém parece interessado no assunto. Seria muito caro. Que benefício isso traria para os seres humanos? Melhor seria gastar todo esse dinheiro em pesquisas para a cura do câncer e alimentar os famintos da África, argumento que ouço ser usado desde que me entendo por gente e que, apesar de ser largamente esgrimido para criticar a pesquisa espacial, nunca, eu disse “nunca”, foi devidamente encaminhado para uma solução.
    Então, na minha opinião, a FC deixou de interessar grande parte dos leitores, porque as pessoas se desinteressaram pelo futuro. Parte dele já chegou e não parece melhor do que o passado. Então, para que investir nele?

  7. Simone Saueressig Says:

    E por outro lado (desculpe, mas é que a outra resposta já ficou grande), de que Fantasia você está falando? Quando você diz “A Fantasia não precisa de apresentações prévias.” está falando, obviamente, de Fantasia de fundo europeu. No máximo, norte-americana. Pelo que vejo, quando a Fantasia joga com o imaginário de outra origem, exige sim, uma apresentação prévia. Vá ver InuYasha sem uma explicação e sem conhecimento prévio, para ver se você não se perde, vá ler uma história sobre os deuses africanos ou a boa e velha Fantasia de fundo brasileiro. Estou tratando de traduzir “Contos do Sul” para o inglês e, francamente, estou muito curiosa para ver no que vai dar. Duvido que um único conto “funcione” bem, sem que o leitor saiba quem são os personagens folclóricos envolvidos. E mesmo assim, devo dizer que nunca li nenhuma história de Fantasia (mesmo que todos os personagens sejam conhecidos) onde não houvesse uma parte voltada para a “explicação”: quem são os envolvidos, o que está acontecendo, quais são os riscos, etc. Sem as regras do jogo, fica difícil jogar.
    Abraços!

  8. Pedro Says:

    Eu sinto falta de uma fantasia do tipo Gabriel Garcia Marquez, Borges, Kafka,até mesmo das maluquices de Lewis Carroll. Tudo hoje em dia é tão normal. A literatura de um modo geral do mercado é de um contesto realista. Histórias que vivem se repetindo. Isso cansa. Você lê três ou quatro e pronto. Tudo se repeti. Crises existencias, sexo, alguns abordam questões sociais. Tudo de um modo mais tedioso possível. Eu acredito que uma boa parti dos editores estão nem aí. Em especial para a literatura fantastica. Eu gosto e muito das histórias de ballard, eu acho que ele conseguiu, atraves de suas leituras dos livros de burroughs, fala algo de uma forma bem original. O espaço interior. Medicina, psicologia, psiquiatria, contudo, eu só acho que essa ficção cientifica do tipo Bater, Expresso Nova, O homem duplo, seja mais autêntica pros dias de hoje.

  9. A Fantasia brasileira vai bem, obrigado. Mas e a FC, como está? | Ficção científica literária | Scoop.it Says:

    […] A discussão FC x Fantasia não é nova, mas é sempre produtiva. O que vemos hoje no Brasil é uma quantidade de publicações de livros de Fantasia que ultrapassa a de Ficção Científica em muito (10 para 4, segundo estatísticas que me foram fornecidas por Cesar Silva, editor do Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica).Mas, onde está a questão?  […]

  10. A Fantasia brasileira vai bem, obrigado. Mas e a FC, como está? | Litteris | Scoop.it Says:

    […] A discussão FC x Fantasia não é nova, mas é sempre produtiva. O que vemos hoje no Brasil é uma quantidade de publicações de livros de Fantasia que ultrapassa a de Ficção Científica em muito (10 para 4, segundo estatísticas que me foram fornecidas por Cesar Silva, editor do Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica).Mas, onde está a questão?  […]

  11. Miguel Carqueija Says:

    Creio que a Simone está certa, uma das causas possíveis é que a ficção científica para ser boa deve ter um mínimo de embasamento científico e nosso povo tem um conhecimento do assunto ainda muito baixo.
    Talvez por isso resolvi de há muito diversificar, eu que era especialista em FC e passei a produzir terror e agora também fantasia, com o livro “O estigma do feiticeiro negro” (co-autora Melanie Evarino). Também criei uma série ainda inédita, “A odisséia da Fênix”, onde a FC e a alta fantasia se mesclam.
    O curioso é que filme de FC obtem altas bilheterias, como o “ET” (que não é tão bom assim), a franquia “Star wars” e por aí afora.
    O problema é com os leitores e também o atual desinteresse das grandes editoras. Mas quem escreve FC por amor, deve continuar a fazê-lo. Como eu penso que é o caso do Calife e outros que há décadas trabalham com o gênero.

    • Tibor Moricz Says:

      Ao mencionar as altas bilheterias dos filmes de FC no cinema, Carqueija, você poderia nos ter trazido referências mais atuais. Quem lê a citação a “ET” e “Star Wars”, pensa que você é um eremita que não sai da toca nem vai ao cinema há dezenas de anos. Sem falar que “Star Wars” não é – pelo menos para mim – ficção científica.

    • João Beraldo Says:

      Sinceramente acho que é menos o ‘tem que ter’ e mais o ‘acho que tem’. Acredito que FC assusta pelo ‘científica’. As pessoas acabam pensando ‘deve ser complicado entender isso’
      Na época em que eu trabalhava no Taikodom tinha discussões com pessoas do projeto que tinham esse pré-conceito de achar que era complicado (ao ponto de eu ter ouvido que Star Trek é ‘fc hard’ pq a pessoa precisa entender de física quântica pra gostar) (nota paralela, eu não gosto de ST :P). Essas pessoas não tinham contato com FC e se mantinham longe dela exatamente porque achavam que era ‘complicado demais’

  12. Sybylla Says:

    Ótima análise. 😀

    Já há muito tempo que eu venho falado do ostracismo da FC nacional e também da FC nos cinemas. Os filmes hoje estão numa tríade de distopia-super heróis-viagens no tempo. Os clichês estão mal trabalhados e os filmes caíram na mesmice.

    Com a literatura o cenário não é diferente, em especial nas nossas terras. Os autores nacionais não possuem chance frente às grandes editoras que não apostam no gênero. Muitos, mas muitos romances de ficção fantástica estão saindo com uma qualidade altamente questionável e devo dizer que até os enredos de FC que estão saindo por editoras menores também estão devendo qualidade.

    Pode ser pelo fato de o país não ter tradição científica, mas acho que é mais pela falta de cultura de leitura da população, que não gera leitores e um escritor que não lê também não pode se aventurar a escrever algo bom. Um escritor é fruto de leitura intensa, de conhecer novas mídias, de se inteirar sobre o mercado, de ativamente conhecer o mundo. Sabemos bem que sobreviver de livros neste país é algo apenas que as editoras e gráficas conseguem, pois um autor dificilmente chega nessa livro dependendo do mercado interno.

    Eu ando tão cansada da FC lançada ultimamente, que fui no site Clube de Autores para procurar por uma FC de autores desconhecidos. E o que você acha de FC? Pouca coisa. A maioria cai na especulativa ou na fantástica e as próprias obras de FC são praticamente do mesmo tema. Elas atém pode estar bem escritas, mas caem no clichê de planetas em guerras, povos exóticos, invasão alien. Isso é uma maldição para a FC nacional, que de fato, mais copia do que cria. E quando cria, as obras saem mal escritas e mal revisadas, dando uma dor no coração de ter que pagar por elas.

    Sou pessimista quanto a isso. Não vejo um mercado crescente para a FC nacional. Espero poder ver mudanças, mas sinto que o assunto não parece interessar mais. Meu blog é sobre ficção científica quase que integralmente e eu vejo o movimento que é frente a outros blogs de outros segmentos. Tenho poucos, mas fiéis leitores que também estão desgostosos com o cenário atual.

    Uma pena. Tenho certeza que enredos ótimos estão engavetados por aí, por falta de editoras e de público.

    Abraço!

  13. A Fantasia brasileira vai bem, obrigado. Mas e a FC, como está? | Paraliteraturas + Pessoa, Borges e Lovecraft | Scoop.it Says:

    […] A discussão FC x Fantasia não é nova, mas é sempre produtiva. O que vemos hoje no Brasil é uma quantidade de publicações de livros de Fantasia que ultrapassa a de Ficção Científica em muito (10 para 4, segundo estatísticas que me foram fornecidas por Cesar Silva, editor do Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica).Mas, onde está a questão?  […]

  14. Pedro Says:

    Todo mundo fala dos clichês da ficção cientifica, e os clichês da fantasia. E os clichês da literatura dita realista. Eu acho que falta novas abordagens, e isso é no geral. Tudo é repetido, tedioso. Quando eu vi pela primeira vez um filme cyberpunk japonês, eu fiquei pensando: ” Por que ninguém escreve um livro desse jeito”. Eu acho que ferramentas têm. O que falta é arriscar, mas alguém podeira dizer: “As editoras apostariam?” Fica dificil. As proprias editoras parecem que gostam da mesmice. O exemplo é os livros de fantasia que se publicam e falam das mesmas coisas. Um exemplo de originaidade foi quando um escritor de ficção cientifica resolveu fazer um livro sobre carros. Todo escritor de ficção cientifica faria carros voando, viagens planetarias, mas, o que fez Ballard. Colocou o espaço interior em primeiro lugar. Saiu um livro dos mais originais. Um classico do underground somente comparado em proporções ao Almoço nu. O primeiro livro a aborda tecnologia e pornografia. Fantasia é a mesma coisa. Literatura realista mesma coisa.

  15. Wilson Barros Says:

    A questão principal me parece a da qualidade. É muito mais fácil fazer sucesso com um livro de fantasia, mesmo o livro sendo horrível, do que com ficção científica, que requer no mínimo uma idéia científica.

    Péssimos livros como “Crepúsculo” e “Harry Potter” fazem sucesso, mas não existe comparação entre seus autores e Ursula Le Guin. Para escrever “Os Despossuídos” Ursula K Le Guin passou meses estudando a obra de Kropotkin. Além do mais ela é uma grande escritora, que se destacaria em qualquer outro gênero. Isaac Asimov também detinha altos conhecimentos de ciência, em todas as áreas. Arthur Clarke era um grande cientista e projetou o primeiro satélite. Aldous Huxley era um escritor em toda a acepção da palavra.

    Existe também a questão do público. O público de fantasia é muito menos exigente que o da ficção científica.

    Portanto, se alguém quer fazer sucesso com maior facilidade, comece a escreve fantasia. E se quiser fazer sucesso na ficção científica, prepare-se para muito trabalho e esmero.

    Mas quem quiser vender muitos livros sabendo tendo como técnica apenas a alfabetização, pode escrever sobre sexo. Os cinquenta tons, que qualquer colegial de quinze anos escreveria, vendeu mais que pastel na feira.

Deixe um comentário